Freguesias denunciam ao Congresso "aberrações" da reforma administrativa

Professor da Universidade do Minho presente no Congresso da Anafre subscreve críticas dos presidentes de junta sobre a ausência de um estudo prévio adequado sobre o papel das freguesias.

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Os presidentes de junta ainda estão inconformados com a reforma Adriano Miranda

Foi o primeiro Congresso de autarcas de freguesia após a concretização da reforma administrativa que ditou a extinção de mais de uma milhar de freguesias, criando algumas “aberrações” nas quais os autarcas esbarram no seu dia-a-dia.

Arlindo José Passos, que preside à maior freguesia do país – a União de Freguesias de Alcácer do Sal – diz que a dimensão do território que tem a seu cargo “é uma aberração” criada pela reforma administrativa. Com uma área para cuidar de 916 quilómetros quadros - superior à ilha da Madeira -, sente-se um “caixeiro viajante” do Estado, visitando de 15 em 15 dias cada aldeia, onde passa atestados a quem lhe solicita e trata das competências que lhes estão confiadas enquanto autarca.

Este é um dos muitos testemunhos que se ouviram neste fim-de-semana em Aveiro. Centenas de presidentes de junta e de assembleias de freguesias de todo o país estiveram reunidos no XIV Congresso da ANAFRE para discutir muitos dos problemas que enfrentam e não se esqueceram do Governo que, como ontem destacou o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior de Lisboa, “limitou-se a cortar o território a régua e esquadro, enquanto a reforma de Lisboa foi feita com base em estudos”.

Presente  no Congresso em Aveiro, o professor catedrático da Escola de Direito da Universidade do Minho, António Cândido Oliveira, aponta falhas à reforma e afirma que “grande erro desta reforma foi não ter sido precedida de um estudo adequado sobre o papel da freguesia na organização administrativa portuguesa e sem ter uma ideia clara desse papel não é possivel encontrar soluções adequadas.”

Segundo  António Cândido Oliveira, “a reforma criou freguesias demasiado grandes e isso tem consequências, nomeadamente a perda proximidade”.

“Por outro lado, freguesias maiores reclamam, naturalmente, atribuições, meios financeiros e humanos e mesmo técnicos, o que coloca um problema de custo. E a questão, então, é saber se queremos uma administração local ao nível das freguesias, mais pesada e mais cara, ou se queremos manter o padrão até agora existente que é o de uma administração muito baseada no voluntariado e assim menos burocrática e mais barata”, afirma.

Na reunião magna da Associação Nacional de Freguesias, houve quem lembrasse que a reforma administrativa dos municípios estava ainda por fazer e que a nova direcção da ANAFRE teria de estar atenta a essa decisão do Governo.

Ana Belchior, professora de Ciência Política, lembra que o guião da reforma do Estado “não define propriamente uma estratégia no que repeita à reforma nos municípios, apontando basicamente duas medidas fundamentais, razão de ser dos receios no meio autárquico.

“Uma [das medidas] é a fusão dos municípios e a redução das ‘redundâncias’ e ineficiência’ já antes referidas pelo então ministro Miguel Relvas”, explica a docente ao PÚBLICO, acrescentando que “estas reportam-se ao corte de serviços que possam ser considerados demadiado onerosos”.

Em seu entender, “a principal dúvida em relação a esta medida é a do sentido destes cortes: cortar em autarquias como Marvão ou outras pouco populacionais pode encaixar nos critérios, mas constituirá um custo muito elevado para as populações do interior do país e para o próprio desenvolvimento (já de si parco) da sustentabiliade destas regiões”.

A segunda medida, aponta Ana Belchior, diz repeito à transferência de competências da administração central para os municípios. Esta, sublinha, “é uma medida que poderá ser potencialmente positiva se acompanhada dos respectivos meios, em especial financeiros, como alguns autarcas já alertaram”.
 
 
 

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