Portugal a meio da tabela no índice de sinistralidade ferroviária

Acidentes em passagens de nível dão o maior contributo para as estatísticas negras do caminho-de-ferro.

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Portugal aparece mal calssificado nos acidentes em passagens de nível Paulo Pimenta

Portugal ocupa o 13.º lugar entre os 27 países da União Europeia num índice que mede o risco a que os passageiros estão expostos quando utilizam o transporte ferroviário. Trata-se de um indicador normalizado, que tem em conta as diferentes realidades dos países pois consiste na divisão do número de passageiros Mortos e Feridos Grave Ponderados (MFTG) pelo número de milhões de passageiros vezes os quilómetros por eles percorridos durante um ano.

Este índice, publicado em Dezembro no Jornal Oficial da União Europeia, permite construir um ranking dos países onde é mais seguro viajar de comboio. O resultado obedece, grosso modo, a um padrão que coloca os do Norte da Europa à cabeça, seguindo-se os do Sul, que antecedem por sua vez os países de Leste.

Analisando o MFTG tendo em conta, não o número de passageiros por quilómetros, mas sim o número de comboios efectuados por quilómetros percorridos, as tendências mantêm-se, embora Portugal desça duas posições, para 15º, sendo ultrapassado pela Bélgica e pela Eslovénia. Mas a Irlanda, Reino Unido e Alemanha continuam a liderar a tabela.

Estas valores, porém, devem ser lidos com algum cuidado porque resultam de critérios e definições que não foram harmonizadas entre os diferentes países. Essa harmonização tem vindo a ser feita pela Agência Ferroviária Europeia e, dados mais recentes, já devidamente uniformizados, indiciam que Portugal se situa melhor posicionado, não só devido à harmonização de definições, como aos investimentos entretanto realizados na sua infra-estrutura ferroviária. 

Já no que diz respeito aos acidentes em passagens de nível a situação muda. O indicador é complexo. Chama-se “número anual de mortos e feridos graves ponderados de utilizadores de passagens de nível em acidentes significativos a dividir pelo número de comboios-quilómetro por ano”. E tem em conta as distintas realidades ferroviárias dos países para se poder estabelecer comparações.

Portugal neste caso desce para a 22ª posição e só fica à frente da Lituânia, Roménia, Croácia e Grécia. Uma classificação que foi uma surpresa para a Refer pois tem sido notória a diminuição do número de acidentes em passagens de nível em Portugal na última década.

As estatísticas desta empresa mostram que desde o início do século o número de acidentes nos atravessamentos rodoviários da linha férrea diminuíram de valores próximos de 100 para uma média de 26 nos últimos três anos (2013 incluído). E que o número de mortos nesses acidentes se reduziu de uma média de 27 nos três primeiros anos da década para 11 nos último triénio (2013 incluído).

O aumento de segurança nas passagens de nível portuguesas é reconhecida pelo próprio relatório anual de segurança de 2012 do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes). “É nesta categoria que se tem registado maior evolução positiva e onde o Estado tem alocado avultados recursos financeiros”, refere o documento.

Nos acidentes nas passagens de nível há que distinguir entre as colisões (situação em que o comboio colide com um veículo rodoviário) das colhidas (atropelamento de peões), sendo as primeiras as principais causas de morte. Desde 2010 até ao presente morreram, quando atravessavam passagens de nível, 91 pessoas que seguiam em automóveis, camiões ou motos, e 32 quando circulavam a pé.

Apesar de recentemente terem morrido duas pessoas num camião TIR quando este não parou numa passagem de nível sem guarda perto das Caldas da Rainha (ver PÚBLICO de 29/10/13), Susana Abrantes, da Refer, faz notar que estes acidente não é muito comum em Portugal, onde a maioria dos veículos sinistrados são ligeiros de passageiros. Já na Bélgica (país de atravessamento de muito tráfego rodoviário pesado) e nos países nórdicos são mais frequentes os acidentes com camiões. A tal ponto que neste países há campanhas de prevenção nos terminais portuários específicas para os camionistas.

Alguns especialistas apontam os elevados níveis de conforto existentes nas cabines dos camiões como factor explicativo da maior propensão para a falta de cuidado do condutor por criar uma falsa sensação de segurança dentro daquele habitáculo.

Quanto aos peões, Susana Abrantes diz que se tem registado um aumento de vítimas idosas que, de forma imprevidente, atravessam a linha do comboio. Aliás, a porta voz da Refer não tem dúvidas de que “a quase totalidade dos acidentes em passagens de nível ocorrem por imprudência e desrespeito das pessoas” quando as atravessam.

Prova disso é que são precisamente nas passagens de nível automatizadas que há mais acidentes porque, muitas vezes, os condutores ou peões aproveitam para atravessar a linha entre o momento em que dispara o sinal sonoro e o que fecha as barreiras. Curiosamente, onde ainda existem guardas de passagem de nível, os acidentes são raríssimos porque estas alertam as pessoas e fazem respeitar a proibição de atravessar a linha.

Suicídios ultrapassam os mortos por acidente
Os suicídios não são classificados como acidentes porque constituem actos voluntários e deliberados destinados a provocar intencionalmente danos a quem os comete. A explicação consta do relatório anual de segurança ferroviária (2012) do IMT, que constata que “o número de suicídios ultrapassa o dos mortos devido a acidentes” numa proporção de 54% para 46%.

Por exemplo, em 2009 houve 101 mortos no espaço ferroviário português, dos quais 69 foram suicídios. Em 2010 a relação foi de 51 suicídios em 73 mortos, no ano seguinte de 42 suicídios em 56 mortos e no passado o número de pessoas que se atirou à linha subiu para 58 num total de 82 mortos.

Embora não entrem nas estatísticas dos acidentes do caminhos-de-ferro, “para além de constituírem uma tragédia pessoal e social, são também, a vários níveis, fonte de enorme perturbação no transporte ferroviário” refere o relatório do IMT. Os transtornos em termos de atrasos nas circulações prejudicam por vezes vários milhares de pessoas e são dificilmente mensuráveis.

No entanto, quer a CP, quer a Fertagus, quer a própria Refer, evitam explicar aos passageiros os motivos das perturbações de tráfego quando estes são originados por alguém que se atirou para debaixo do comboio. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem regras claras sobre a forma como (não) devem ser divulgados os suicídios devido ao efeito de contágio que estes provocam. O que leva os operadores ferroviários a suportarem em silêncio a animosidade dos passageiros perante os atrasos.

Há três anos a SNCF (caminhos-de-ferro franceses) resolveram quebrar a recomendação da OMS e passar a informar os seus clientes quando as perturbações de tráfego se devem a suicídios. Só na região parisiense, acontece um em cada dois dias.

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