Michelle Bachelet deve ganhar a presidência do Chile, mas governar não será fácil

A candidata da esquerda refreou as promessas depois de não ter conseguido a maioria de dois terços no Parlamento.

Chile para todos, defende Michelle Bachelet, a candidata da esquerda
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Chile para todos, defende Michelle Bachelet, a candidata da esquerda Hector RETAMAL/AFP
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Evelyn Matthei escolheu o slogan de Obama Hector RETAMAL/AFP

No Chile diz-se que as eleições presidenciais de hoje são as da “vitória adiada” de Michelle Bachelet. A candidata da esquerda ganhou a primeira volta, no dia 17 de Novembro, mas falhou a marca dos 50% que a levariam de volta ao Palácio de La Moneda, onde já esteve entre 2006 e 2010.

Bachelet conseguiu 46,7% dos votos, a adversária, Evelyn Matthei (direita), 25,2%.

Para Matthei foi uma vitória — não se esperava que fosse além dos 17 ou 18% — que a encheu de energia para a segunda parte da campanha. Bachelet disse que o resultado foi uma “desilusão”.

Na verdade foram duas as desilusões da antiga Presidente. No dia da primeira volta os chilenos votaram também para eleger os deputados e senadores das duas câmaras do Parlamento. A Nova Maioria, a aliança entre os socialistas (de Bachelet, que tem 62 anos), os democratas-cristãos e os comunistas venceu, mas não conseguiu a maioria de dois terços dos lugares na Câmara de Deputados e no Senado necessários aprovar, sozinha, as reformas anunciadas pela candidata. Por exemplo, o ensino universitário gratuito e a mudança da Constituição, que já teve emendas desde o fim da ditadura mas cuja base permanece a de Augusto Pinochet.

Mal saiu o resultado da primeira volta, Evelyn Matthei (62 anos) fez um apelo aos eleitores dos restantes sete candidatos que ficaram pelo caminho. Votem em mim, pediu, querendo aproveitar a seu favor votos que, talvez, se percam na segunda volta.

Nas análises que publicaram quando os resultados foram anunciados, os jornalistas chilenos  explicaram que Bachelet não conseguiu ser eleita na primeira volta porque a abstenção foi muito elevada. Um dado significativo nas primeiras eleições do país em que não foi obrigatório votar — até aqui os chilenos eram obrigados a ir às urnas. Só um pouco mais de metade (51%) dos 13,6 milhões de eleitores votaram.

“Vamos lutar pelos votos dos sete candidatos [da primeira volta]”, disse Evelyn Matthei. No seu partido, a União Democrática, e perante os resultados das legislativas, percebeu-se que valia a pena fazer um esforço extra para promover a candidata. Rapidamente, o discurso da continuidade mudou de tom — a continuidade permanece, mas a palavra “mudança” entrou no léxico do centro-direita nesta segunda fase da campanha eleitoral. O lema da campanha de Matthai: "Sí, se puede" (o Yes we can do americano Barack Obama; Bachelet, mais fiel às origens, preferiu o "Chile para todos").

“Estamos em processo de revisão do nosso programa e vamos começar a divulgar dados novos”, disse a candidata logo a seguir à primeira volta. “Incorporámos caras novas e ideias novas no nosso programa”, disse a seguir. Porém, no debate eleitoral de terça-feira com Bachelet — um debate com um modelo diferente dos da primeira volta; as candidatas interpelaram-se uma à outra, quase dispensando a moderação de jornalistas —, Matthei não correspondeu às expectativas. O seu eleitorado tinha-lhe pedido um ataque cerrado à candidata da esquerda, mas ela foi vaga nos temas, meteu os pés pelas mãos na questão do aborto (cedeu a sua convicção pessoal à do partido, que é contra) e só conseguiu ser eficaz quando  criticou o programa fiscal da adversária — Bachelet propõe uma subida de impostos para sustentar alguns investimentos sociais, por exemplo a universidade gratuita.

Bachalet, que quando saiu do Palácio de La Moneda, em 2010, tinha uma taxa de popularidade que rondava os 80%, não se saiu melhor. Depois de meses a anunciar a criação de uma assembleia constituinte, (que já sabe qual a composição do Parlamento) não se comprometeu com uma nova Constituição, nem defendeu de forma vigorosa o programa de reformas sociais, políticas e económicas com que prometera “tornar o Chile um país moderno e justo”. No editorial do Clarín, jornal de Santiago do Chile, lia-se: “Nenhuma das duas se mostrou à altura de ocupar a mais alta magistratura do país”.

As filhas dos generais — o pai de Bachelet resistiu ao golpe de Pinochet que derrubou Allende, foi torturado e morreu; o pai de Matthei serviu a ditadura — voltam a defrontar-se hoje no Chile. Uma delas será Presidente e poucos acreditam que não seja Michelle Bachelet. O que já não sabem dizer é como será o Chile governado nos próximos anos. 

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