Especialistas defendem que maioria dos países não terá sistema idêntico ao português

Em Itália existe um sistema semelhante, mas também levantará dúvidas. Em Espanha e na Alemanha, os julgamentos mais rápidos são para casos com molduras penais inferiores.

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O docente da Universidade do Porto analisou o caso de Itália, Espanha e Alemanha

Embora ressalvando que comparar diferentes sistemas jurídicos é um exercício delicado, os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO consideram que, na maioria dos países europeus, a possibilidade de se fazer julgamentos em processo sumário em casos de crimes com penas superiores a cinco anos de prisão, por apenas um juiz e em situações de detenção em flagrante delito, será a excepção e não a regra.

“Diria que esta solução do nosso Código de Processo Penal (CPP) é populismo penal e só pretende dar a falsa impressão de que o sistema funciona depressa”, diz o docente de Direito Penal da Universidade do Porto André Lamas Leite, garantindo que a tendência na Europa será para, no julgamento de processos céleres, estabelecer um limite na moldura penal, de forma a assegurar rapidez, mas sem descurar as garantias do arguido.

Também Figueiredo Dias, que foi catedrático de Direito Penal na Universidade de Coimbra, considera a solução prevista no actual CPP “má”. Defende que o flagrante delito não pode ser uma “circunstância que faça diminuir as garantias” dos arguidos, sobretudo em casos mais graves. Recusa comparar sistemas de diferentes países, mas ressalva não ter dúvidas de que esta norma do CPP coloca Portugal numa posição “mais isolada”.

Embora salvaguardando que não tem um levantamento de todos os sistemas jurídicos e que essa comparação é difícil, também a vice-presidente do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Conceição Gomes, acredita que noutros países a possibilidade de haver julgamentos de crimes como homicídios, em processo sumário ou procedimentos rápidos equivalentes, só por um juiz não será a regra, mas a excepção.

Se os países que pertencem ao common law têm categorias processuais difíceis de transpor, André Lamas Leite analisa três países mais próximos juridicamente de Portugal, que pertencem ao civil law, e conclui que apenas o CPP italiano prevê julgamentos rápidos em casos de flagrante delito sem limite de moldura penal.

Segundo André Lamas Leite, este processo especial, o giudizio diretissimo, também é polémico. “Há grandes dúvidas quanto à respectiva conformidade constitucional na doutrina e jurisprudência”, ressalva. Em Itália, entre outras, existe outra forma de julgamento célere – patteggiamento –, mas para penas de prisão até dois anos.

Em Espanha, a lei prevê um “procedimento abreviado” para crimes puníveis com prisão até nove anos e uma outra forma de julgamento rápido, também para situações de flagrante delito, mas para crimes puníveis com prisão até cinco anos. “Os juízos rápidos que existem em Espanha têm uma limitação quanto à moldura penal a aplicar, não são como nós, sem limitação. Como está hoje a lei, qualquer crime pode ser julgado em processo sumário, desde que seja em flagrante delito”, alerta o docente.

Quanto à Alemanha, existe um processo especial acelerado quando “a situação factual” for “simples e a prova clara”, mas, mesmo aqui, o tribunal não pode aplicar pena de prisão superior a um ano. “O CPP alemão não conhece formas tão expeditas para crimes tão graves como o que nós hoje prevemos”, diz.

O docente sublinha que a única vez em que se permitiu, na nossa história, julgamentos em processo sumário em casos de crimes com penas superiores a cinco anos de prisão foi nas Ordenações Filipinas – compilação jurídica conhecida por Código Filipino que data de 1603 e que vigorou em Portugal, com alterações, até 1852. “Depois, felizmente em bom tempo, revogámos isso, no século XIX”, diz o docente.
 
 
 
 
 
 

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