"Ontem, dia da manifestação, foi um dia muito triste em Angola"
O advogado e activista angolano Salvador Freire tem "o MPLA no coração". Mas um "MPLA renovado que aceite a democracia e a convivência social" e "não este, autoritário".
Manuel Hilberto Ganga era membro da ala juvenil da coligação eleitoral Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE) e a sua morte foi denunciada às primeiras horas da manhã de sábado por Abel Chivukuvuku, antigo quadro da UNITA e agora líder da CASA-CE, segundo maior partido da oposição, quando a manifestação da UNITA ainda não tinha saído para a rua. Chivukuvuku disse que o dirigente da ala juvenil do partido fora abatido a tiro quando colava cartazes, com um grupo, na perspectiva da manifestação.
Ao final do dia, a polícia confirmou a informação e disse que o jovem tinha sido morto a tiro quando tentou fugir, na sequência de uma ordem de detenção por ter sido surpreendido, com outros elementos daquele partido, a violar o perímetro de segurança da Presidência da República, informou o porta-voz do Comando Geral da Polícia, subcomissário Aristófanes dos Santos, aos jornalistas em Luanda. Citado pela Lusa, o subcomissário acrescentou que 292 pessoas tinham sido detidas em várias províncias no sábado e que seriam libertadas à medida que fossem sendo identificadas.
A manifestação foi confirmada pelo principal partido da oposição, liderado por Isaías Samakuva, apesar de desaconselhado pela polícia e proibido pelo Ministério do Interior na sexta-feira. Não é certo quantas pessoas continuam detidas e se mais alguém morreu em Luanda ou nas várias capitais provinciais onde se realizaram protestos pacíficos. A informação chega a conta-gotas a Luanda, disse um activista ao PÚBLICO que pediu anonimato, e também "demora a chegar do musseque ao asfalto", na distância entre bairros pobres e ricos. O PÚBLICO contactou o chefe do Comando Geral da Polícia Nacional Ambrósio de Lemos, mas a chamada não teve resposta.
Acção "excessiva", classifica UNITA
Perante a acção policial, fortemente presente no terreno no sábado, munida de armas de fogo e gás lacrimogéneo, e apoiada por helicópteros, e que a UNITA qualificou de “excessiva” também pelo uso que fez da “força”, Samakuva decretou o fim da manifestação ao fim da manhã e suspendeu a marcha planeada para seguir do ponto de encontro, no cemitério de Santana, até ao centro de Luanda.
“Vários líderes políticos foram interceptados pela polícia e foi-lhes lançado gás lacrimogéneo”, disse ao PÚBLICO Salvador Freire dos Santos, advogado e presidente da Associação Mãos Livres que presta assistência jurídica a activistas. Aconteceu a líderes políticos como Samakuva ou Abel Chivukuvuku da CASA-CE e também, entre outros, a David Mendes, antigo presidente da Associação Mãos Livres e líder do Partido Popular que se fundiu com o Bloco Democrático, da oposição extraparlamentar e liderado por Justino Pinto de Andrade.
Mas também activistas "sem nenhuma ligação à política" foram perseguidos, diz Salvador Freire. “Foi um dia muito triste para nós activistas”, disse ao PÚBLICO. Um advogado da mesma associação, Alberto Zola foi “interceptado pela polícia, espancado publicamente e levado para uma unidade de polícia”. Horas depois de ser solto, voltou a ser interceptado por um polícia que dizia “ter ordens superiores para o deter” e levado para as instalações da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) para “prestar declarações”.
Para Salvador Freire, advogado de activistas do Movimento Revolucionário (um movimento que há dois anos contesta e organiza manifestações pacificas contra as práticas do poder de José Eduardo dos Santos e a sua permanência na presidência desde 1979), a maneira como activistas e cidadãos fora da política, como Alberto Zola, foram agredidos nas ruas é “muito triste” não só para activistas mas para ex-militantes do MPLA que não se reconhecem neste "MPLA autoritário, que não aceita a democracia nem a convivência social".
Aos 54 anos, Salvador Freire é ex-combatente e oficial do antigo movimento de libertação na reserva. Nasceu numa família em que todos eram do MPLA. “Todos nós, na minha família, nos sentimos como parte do MPLA, mas não deste MPLA autoritário” que, segundo ele, “deixou de defender os interesses dos angolanos e da nação” e passou a defender apenas “os interesses de meia-dúzia de pessoas” do partido. Por isso, diz, deixou de ser “militante activo” há dez anos.