Vossa excelência desculpe, mas...

1971. Junho.Terras do Demo. Moimenta da Beira.

Reservaram-me um espaço habitado por milhares de moscas, um calor insuportável, um espaço exíguo, feio, esconso e triste. Era o gabinete!

No primeiro dia de trabalho, bate à porta um funcionário, homem já de 60, e pergunta-me: “ V. Ex.ª. Sr. Dr. Delegado dá licença?” "Vossa excelência?!" Era para mim? Era porque outro delegado não havia ali. Com aquele interregno de quatro anos na tropa, onde sempre me trataram abaixo de tudo, fiquei a saber que o país era de “V. Ex.ª“!

Passei a saber que o respeitinho é muito lindo e de relego na língua!

V. Ex.ª, Sr. Isto, V. Ex.ª, Sr. Aquilo... Assim é que está bem.

Não é coisa que se ministre na escola, nas faculdades, ou mesmo lendo Os Lusíadas, mas temos a obrigação de saber que é assim: V. Ex.ª, Sr. ministro das Finanças, saiba que não concordo (a gente queria dizer o merecido, mas o tal respeitinho impede…).

Isto vem a propósito daquele cidadão condenado por desrespeito a S. Ex.ª o Sr. Presidente da República Portuguesa (assim devia ter dito ele, como eu aqui).

Devia ter dito: “V. Ex.ª, Sr. Presidente da República Portuguesa, eu penso (eu posso pensar?) que o trabalho de V. Ex.ª desculpe, mas não concordo, posso?“ Mas não disse.

Condenou-o o juiz! Parabéns! Demonstrou como sabe de justiça, leis e é corajoso, pois condenar um cidadão por ter dito o que disse de S. Ex.ª o Presidente da República Portuguesa, merecedor de todo o nosso apreço e respeito, é um acto de coragem e exibe altos conhecimentos do Código Penal e arredores, o de Processo Penal e o das Custas Judiciais. Sentença tão difícil e espinhosa exige conhecimentos profundos desses códigos e de outros tantos que nem cabe aqui enumerar!!! E coragem!

Pena que a erudição jurídica da sentença seja nula e inútil.

Não só isso, muito positivamente, me impressionou. Aquela coisa de ofensa incomensurável que o escritor e jornalista Miguel Sousa Tavares (MST) disse no Jornal de Negócios. Isso, sim, é gravíssimo! MST tem obrigação de saber, como jornalista e escritor, que, se nos dirigimos ou falamos a ou de altas instâncias, devemos fazê-lo com todas as mesuras, ou não é?

MST injuriou ou difamou!!! Sem dúvida jurídica alguma. Comprei de novo o Comentário Conimbrincence ao Código Penal para me alicerçar nos professores catedráticos, nos mestres, na jurisprudência, coisa que já não tinha, pois que, não exercendo funções, dei tudo quanto era livro de Direito que me estorvava o apartamento e a cabeça.E lá diz,
expressis verbis, que é má educação, atrevimento, dizer aquilo que MST disse de S. Ex.ª, mas fiquei com a ideia de que também diz que deselegância é uma coisa e crime uma outra. Vulgo: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!

Há um processo crime com um destino certo: o arquivo!

“Eles” fazem leis iníquas, mudam-nas por capricho, abusam do poder, humilham-nos, mas querem-nos silenciados, humilhados e venerabundos!!! Ámen!

O autor é procurador-geral adjunto

 

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