Adopção por casais do mesmo sexo

O sistema constitucional previsto para a eleição dos deputados é extremamente democrático.

Cedo, porém, se revelou perverso, sendo capturado pelos partidos políticos que, paulatinamente, transmudaram os deputados em seus representantes, funcionando como ventríloquos daqueles e do governo.

No caso aqui referido, o que raro sucede, a Assembleia da República (AR) afirmou em pleno a sua identidade de órgão soberano de legislador.

Reporto-me à aprovação por maioria da AR de uma proposta apresentada pela deputada do PS, Isabel Moreira, aprovada com os votos do BE e Verdes, a que se adicionou a” liberdade de voto concedida” (!) aos deputados do PSD, PS e CDS por quem manda nos partidos.

A matéria diz respeito à consagração legal da adopção por um membro de casal do mesmo sexo de um menor adoptado pelo outro membro do casal.

Há, no mínimo, três pontos relevantes a salientar:

Primeiro que também agora, numa matéria dita fracturante, os deputados tenham “liberdade de voto”, coisa que tão bem exprime a consciência ético-política dos deputados que navega, em regra, em águas turvas, as da obediência às hierarquias dos partidos.É verdadeiramente condenável que deputados de um país que era democrático exerçam o seu voto às ordens do partido!

É esta a AR que temos e estes os seus deputados, mais dos partidos que do povo e AR!

O segundo diz respeito à substância que representa, a meu ver, e sem dúvidas, um avanço histórico e civilizacional, não só cuidando dos interesses dos menores, como ainda do equilíbrio humano e afectivo de quem deles cuida, alimenta e educa! Os pais adoptivos.

A terceira e última questão (e outras muitas se colocarão) diz respeito à posição que, sobre o tema, terá veiculado o Conselho Superior da Magistratura (CSM) em parecer exigido, tal como relata a comunicação social. Os magistrados, na sua grande maioria, são assim, quando se trata de temáticas sensíveis. Preferem ficar na linha da frente, depois da última! Ficam colados à norminha.

Não é esta a sede de discutir ou esgrimir profundos argumentos jurídicos, onde bem navegam os juristas, nem a temática requer profundidade de hermenêutica.

A questão é muito outra: veste-se de humanidade, de filosofia da vida, de político e da sua vertente social.

O jurídico apenas desempenha uma função legitimadora que, se o legislador não fizer de conta, com o papel de hipócrita, se limita a reconhecer na norma…

Recusar reconhecer o quadro social e familiar traçado – os direitos e interesses dos menores e mesmo dos que deles cuidam -, reporta dificuldades acrescidas no dia-a- dia dessas famílias.

Por detrás do jurídico, o CSM não venceu os seus obstáculos ideológicos à consagração do que, na generalidade, a AR aprovou.

Por razões óbvias!

Não com as razões que terá avançado e de que a comunicação social fez eco, no momento em que terá fundamentado o seu parecer na contraposição com leis anteriores.

É que, faça-se-lhe justiça, o CSM sabe bem que, sempre que há nova legislação sobre o mesmo tema, fica revogada a anterior. Ou não foi assim que o Código Civil foi beliscado quando dizia que o casamento é uma união de pessoas de sexo diferente? Era!

A História estará aí para fazer justiça. Como usual!

Procurador-Geral Adjunto

 

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