O polícia bom Johnny Marr reencontrou-se com os Smiths

Morrissey iniciou uma nova digressão que pode ser a última. Johnny Marr regressa com o primeiro álbum a solo e reconciliou-se com o legado dos Smiths. Morrissey e Marr teriam muito a dizer um ao outro. Pena que já não falem há anos

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Os Smiths no auge - Morrissey e Marr à esquerda

Morrissey iniciou uma nova digressão que poderá ser a última. Envelheceu muito nos últimos anos, diz, o corpo ganhou marcas de cinquentão e isso, “como a todos”, deixa-o perturbado. Johnny Marr, o seu parceiro nos Smiths, o guitarrista que, em conjunto com as letras, a voz e o carisma de Morrissey, fez a banda de “How soon is now”, está de volta. Tem novo álbum a editar em Fevereiro, “The Messenger”, em que se reconcilia com o legado da sua antiga banda.

Marr ainda não é cinquentão (tem 49 anos) e a idade não deixou marcas. Parece o mesmo que, na década de 1980, deu sentido a uma geração que se descobria nas canções de Meat is murder ou The Queen is dead. Faz sentido. Morrissey e Marr já nem estão em conflito. Morrissey e Marr não se falam. Eram o polícia bom e o polícia mau dos Smiths. O provocador das tiradas controversas, eternamente enigmático (Morrissey), e “um dos tipos mais simpáticos do rock’n’roll”, como o apresentava recentemente a Stereogum (Marr, obviamente).

A última vez que comunicaram verdadeiramente, fizeram-no por interposta pessoa. Em 2010, Marr irritou-se com a saída do armário (pop) de David Cameron, o primeiro-ministro inglês, Conservador, que se confessou fã dos Smiths. Através do Twitter, o guitarrista proibiu o político de gostar da sua banda – “Pergunto-me, que parte da ética dos Smiths é que ele não percebeu?”, questiona-se em entrevista publicada hoje no Guardian.

Polémica instalada, com Marr a ser apoiado ou confrontado com as declarações – “como se atreve a dizer o que Cameron pode ou não pode gostar? Vai devolver-lhe o dinheiro que gastou nos discos?”, atiraram-lhe -, Morrissey veio em sua defesa. Para o vocalista, Cameron, pela sua ideologia, pela forma como dirigia a nação inglesa, não tinha o direito a gostar dos Smiths, a banda que tão bem representara a oposição a Margaret Thatcher. Desde aí, nada mais houve em que Morrissey e Marr concordassem – ou discordassem.

Rumores de reuniões dos Smiths, como sempre acontece com bandas do seu estatuto, surgem regularmente na imprensa. Dificilmente passarão disso mesmo, rumores. Marr e Morrissey deixaram de se falar há alguns anos. “Na verdade, não temos qualquer razão para o fazer”, confessou o guitarrista. Há dois anos, quando remasterizou o catálogo dos The Smiths, contactou Morrisey, o baixista Andy Rourke e o baterista Mike Joyce: “consigo ouvir o amor posto neste música”, escreveu em email. Nunca obteve resposta. “Podes tentar ser simpático com alguém durante muito tempo sem receber nada em troca, até que acabas por pensar: ‘ah, que se lixe’”. Johnny Marr decidiu seguir com a sua vida, cortando laços com o passado. Foi, de resto, o que fez desde que deixou o os Smiths.

Morrissey pode continuar a ser Morrissey, simplesmente – carregava consigo o imaginário dos Smiths, era a extensão daquilo que os Smiths representavam. Johnny Marr, o guitarrista que criou o som que viria a definir uma certa estética indie – como que uma actualização da guitarra “chocalhada” dos Byrds, transporta da solar Los Angeles para a depressão industrial de Manchester -, não o podia fazer. Portanto, fugiu. Recusou o foco dos holofotes e manteve-se aquilo que era desde os 11 anos. Guitarrista. Nos Pretenders ou nos The The, imediatamente após o fim dos Smiths, nos Modest Mouse ou nos Cribs, já este século – pelo meio, fugiu mais ainda e trocou guitarra por sintetizador nos Electronic fundados com Bernard Sumner, dos Joy Division e New Order. “Se te colocam uma etiqueta ‘indie pop jingle jangle’ é tua responsabilidade retirá-la, caso contrário, estás criativamente morto”.

Em 2003, juntou os Healers e editou Boomslang, o mais próximo que esteve, até hoje, de um álbum a solo. Dez anos depois, a fuga terminou. The Messenger será o seu primeiro disco em nome próprio. Foi gravado em Manchester com uma banda que, tal como nos seus tempos nos Smiths, ensaiou algumas vezes por semana sem outro objectivo que não o de criar canções. Um álbum em que, também musicalmente, deixa de fugir.

Percebeu há algum tempo que, tendo sido parte tão importante da banda de “Hang the DJ”, era no mínimo estranho ser ele o único a dizer que “aquilo [tocar canções dos Smiths] não devia ser feito”. E, depois de incluir música da antiga banda no alinhamento dos concertos, depois de ver como as pessoas reagiam a ela e quanto ele próprio gostava de a tocar, deixou que esse reencontro com o seu passado contaminasse as canções de The Messenger. “Senti que estava a faltar qualquer coisa à pop”, diz ao Guardian. “Quando acertas com as guitarras na pop, pode tornar-se vivaz, exuberante e luminosa.” Se alguém disser a Marr que o seu novo álbum soa a Smiths, tudo estará muito bem: “[Quererá dizer] que tem a mesma exuberância”. Que exuberância? A da banda que “inventou o indie como ainda hoje o entendemos”. A da banda que, depois do punk e pós-punk, deu um passo em frente. “Estávamos gratos pela revolução, mas ainda havia ali alguma homofobia e sexismo. No indie isso não existia”. Mais: “Se fosses um músico alternativo, os tempos exigiam que fosses político. Era garantido que as bandas com quem partilhavas o palco tinham as mesmas ideias políticas. Não sei se o poderemos dizer hoje”.

Aos 53 anos, Morrissey, que sempre foi os Smiths mesmo quando os Smiths acabaram, iniciou uma digressão que pode ser a último. Aos 49 anos, Johnny Marr, o guitarrista que passou parte da vida a fugir dos Smiths, reconciliou-se. Voltou a casa. Se falassem, muito teriam a dizer um ao outro. 
 

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