“Na diáspora copta, o Natal é mais feliz”

Ibrahim Saweros, investigador numa universidade holandesa, explica ao PÚBLICO por que os “filhos dos faraós” estão a fugir do Egipto da Irmandade Muçulmana.

Autor do blogue e-COPTOLOGY, fluente em língua copta, em árabe, hieróglifos egípcios, grego clássico, inglês e em alemão, investigador na Universidade de Leiden, na Holanda, Ibrahim Saweros vai celebrar o Natal, a 7 de Janeiro, “em liberdade” porque, diz ele, vive na diáspora. No Egipto, de onde saiu em 2010, não vê sinais de esperança. “Muitos emigrantes investiam em vários sectores, como o turismo, mas agora recomendam-se uns aos outros que encerrem os seus negócios para não ajudar o regime islamista” da Irmandade Muçulmana.

 

O erudito Saweros explica por que sua comunidade cristã ortodoxa festeja o Natal nesta data: “Seguimos o chamado yea cóptico (também conhecido como o calendário dos mártires do antigo ano egípcio). A 29 do mês de Koiak corresponde o 25 de Dezembro de antes da introdução do calendário gregoriano em 1582.” Apreensivo quanto ao futuro da pátria que o desiludiu, ele guarda, ainda assim, boas memórias natalícias da sua infância.

“Nasci em Tema, uma pequena cidade que pertence ao distrito de Sohag, no extremo sul do Egipto”, conta Saweros, numa entrevista ao PÚBLICO, por email. “No Natal vestíamos roupas novas e fazíamos diversas actividades. Na véspera, 6 de Janeiro, participávamos numa ‘celebração oficial’ com os membros mais idosos da família, partilhando a Eucaristia numa igreja a poucos passos da nossa casa. Durante 3-4 horas de oração, que quase não entendíamos porque era recitada na língua copta, tínhamos de nos mostrar miúdos bem comportados, mexendo os lábios como se soubéssemos rezar de cor, e éramos obrigados a jejuar até ao momento em que recebíamos o Corpo e Sangue de Cristo. No final da missa da meia-noite, corríamos para casa para saborear os melhores pratos confeccionados pela minha mãe, depois de 43 dias abstinência total. Os pratos consistem, sobretudo, em carne de frango e molokhia (um vegetal egípcio cozido em água com sabão). Dormíamos poucas horas para acordar cedo e ir à ‘escola de domingo’, onde assistíamos a peças de teatro, ouvíamos coros e recebíamos um presente especial. A meio do dia, concentrávamo-nos na praça central da cidade ver o fogo-de-artifício.”

Em Leiden, é fácil preservar a fé. “Em parte, graças à Igreja Copta que, desde os anos 1960, mantém todos os serviços religiosos”, refere Ibrahim Saweros “Quando vim para aqui, em Janeiro de 2010, já havia sete templos coptas em toda a Holanda. Eu frequento a igreja de Haia todos os domingos. Há outros serviços, como uma biblioteca com livros religiosos, em árabe e em neerlandês, uma loja que vende produtos egípcios, sobretudo para os períodos de jejum, e um lugar (tipo café) onde as famílias coptas se reúnem.” Leiden, acrescenta, é “uma cidade internacional onde não só os vizinhos holandeses são amáveis como se conhecem outras pessoas de todo o mundo.” Na realidade, sublinha, “é muito melhor ser um copta aqui do que no Egipto. Podemos comer, beber, rezar, pensar, vestirmo-nos como queremos e preferimos. É mais fácil construir aqui uma igreja copta do que no Egipto.”

Profundamente devoto, Saweros conhece bem os ritos da sua Igreja: “Celebramos 15 períodos de jejum por ano – sete deles chamam-se “grande jejum”, sendo os da Páscoa e do Natal os mais importantes. Segundo as Constituições Apostólicas, é obrigatório celebrar o Natal, festa que se relaciona de forma especial com a Eucaristia. As orações começam ao fim da tarde com a cerimónia do incenso. A seguir, vem a liturgia copta, com muitos cânticos entoados apenas nesta ocasião. O Papa, os bispos, os padres, os diáconos envergam as suas melhores vestes eclesiásticas.”

Saweros não especifica as razões por que deixou a pátria, mas o retrato que dela faz sugere que não saiu de livre vontade. “Os coptas têm sido sempre perseguidos e hoje a situação é ainda mais complicada”, lamenta. “O Egipto sob o poder de islamistas radicais divide-se em duas categorias: uma, a dos que detém o poder e governam o país, é composta por mentirosos cultos e espertos que estão sempre a invocar a tolerância do islão; na segunda estão aqueles que, em todas as esquinas, usam os punhos e às vezes as armas. Se ocorre, por exemplo, um problema entre dois vizinhos, um árbitro determinará que o vizinho é copta é seguramente o culpado. Pode ser-lhe exigido que dê todos os seus bens ao vizinho muçulmano ou que abandone o local de residência para sempre.”

“Milhares de coptas perderam os seus empregos por trabalharem como Sanai3y (por conta própria), em actividades como pintores ou canalizadores, que podem ser contratados a nível individual”, queixa-se Saweros. “Muitos têm de esconder a sua identidade (sobretudo as mulheres) para não serem vítimas de violência. Os islamistas radicais fazem tudo para que as povoações sejam 100% habitadas por muçulmanos.”

Ibrahim Saweros está convencido que a nova geração de coptas participará em todos os protestos contra o novo presidente, Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, mas crê também que “milhares tentarão encontrar maneira de fugir do Egipto, que perde uma parte importante dos seus cérebros.” Esta nova geração, de 25 anos e menos, “está a afastar-se da Igreja completamente; nasceu num mundo livre e digital; exprime-se em várias línguas, participa activamente nas redes sociais, e na cena política, ao lado de muçulmanos, sobretudo desde [a revolução de] 25 de Janeiro de 2011, mas não tolera os muçulmanos radicais. São jovens cultos, conhecem bem a sua história.”

A Igreja Copta, como instituição, não se afastará da política, sublinha o investigador em Leiden. “O regime continuará a usá-la como instrumento de poder, tal como usa [a mesquita-universidade de] Al-Azhar [reduto do islão sunita], porque precisa que o clero controle os jovens – revoltados, se não virem as suas reivindicações aceites, tudo se pode esperar deles.”

“Desde há meio século que os coptas têm vindo a emigrar para o Ocidente”, lembra Saweros. É uma diáspora “totalmente conservadora, europeus/americanos de cultura e educação, mas orgulhosos de serem coptas, isto é, filhos dos faraós.” O maior desafio da comunidade, conclui, é o de “manter a sua identidade sem recorrer à violência. Tem de mostrar aos extremistas que o cerne do cristianismo é o amor. Tem de os persuadir de que no Egipto há lugar para todos e, para isso, o diálogo tem de infinito.”

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