O deserto e uma máquina do tempo pop em Guimarães

Tinariwen com blues do deserto. Ariel Pink como jukebox viva. E os Swans enormes. O Primavera Club estreou-se em Portugal

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Pedro G. Lima/nFACTOS
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Um norueguês e uma espanhola procuram boleia para o Porto. Um grupo conversa e aproveita para se fotografar com Ariel Pink, o cantor que, horas antes, fizera do São Mamede uma máquina do tempo pop. Guimarães foi este fim-de-semana a cidade onde todos os caminhos indie foram dar: o Primavera Club - versão da época fria do Primavera Sound - estreou-se em Portugal.

Ariel Pink e Destroyer (sexta-feira), Swans e Tinariwen (sábado) assumiam as posições de destaque no festival, mas, como em qualquer acontecimento "Primavera", as coisas boas podem estar nas letras mais pequeninas do cartaz.

Depois de um início suave no pequeno auditório do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), com Emmy Curl e Lemonade, os Sensible Soccers inauguraram no café-concerto uma pista de dança cósmica. Algures, pareceu-nos ouvir ecos da Madchester dançante e dopada, filtrada pelo efeito Polaroid da chillwave.

Diferente era o cenário no Grande Auditório, onde os concertos ganharam aura de respeitabilidade porventura excessiva para festival (entradas e saídas apenas no fim das canções - um respeito pelo rock que o próprio não pediria se pudesse falar). Naquela grande sala, preenchida pela metade, Sharon Van Etten provou que a canção dolente, como os Radiohead e Cat Power a professaram, permanece território sempre actual. 

Mas tivemos que deixar Van Etten para ver os Destroyer no São Mamede. Tímido ou circunspecto, Dan Bejar é o líder discreto de uma banda notável, capaz de evocar David Bowie e Roxy Music no mesmo passo, sem perder a contenção.

Encontrámos uns Destroyer apaixonados pela sofisticação dos anos 1980, na qual cabem um saxofone sem vergonha e um trompete expandido por efeitos, na senda do disco mais recente, Kaputt. Actuação imaculada.

A noite de sexta teria mais fascínio retro, com Ariel Pink. Entrou em palco de mala a tiracolo. Encaixou Love Me Do, dos Beatles, na bizarria de teclados que é Symphony of the Nymph; foi a The Doldrums de 2004 buscar cantigas espantosas a que poucos prestaram atenção na altura; emulou as filigranas de guitarras dos Byrds em Only In My Dreams. E fomos todos atrás dos sonhos pop dele, iconólatra e iconoclasta.

O deserto é aqui
Sábado prometia-se menos pop e mais aventureiro. Foi bonito ver Sir Richard Bishop com o grande auditório do CCVF só para ele e a sua guitarra. Vimo-lo a saltar latitudes, do flamenco à raga indiana, do Médio Oriente aos blues, com uma perfeição técnica capaz de ligar todas as músicas de guitarras.

Antes, gingámos, sentadinhos, com a África inventada por B Fachada e sorrimos perante as canções prazerosas (mas esquecíveis) de Little Wings. Mas a noite foi dos Swans e de Tinariwen.

Os primeiros provaram que o regresso de uma velha banda pode não ser mero regurgitar decadente: por duas horas, Michael Gira e seus cúmplices foram viscerais na forma como, com os instrumentos clássicos do rock, fizeram algo que o transcende (algo que vai do velhinho Coward, de 1986, a temas ainda por editar). Levado pela massa de guitarras, Gira, de 58 anos, assume a decadência do corpo e ressurge como velho sábio. Uniram o feio ao belo: os Swans estão vivos.

Estavam os americanos a acabar o concerto e, no São Mamede, o cenário era totalmente diferente. Os Viva "psicadelizavam" tradições espanholas em introdução para a festa seguinte, a dos malianos Tinariwen, com a sua contagiante música de guitarras, prima distante dos blues americanos, cruzados com mil sons misteriosos para o ouvido europeu. A felicidade transbordava do palco para o público, que a devolvia - bonito ciclo virtuoso.

O sorriso largo de um dos músicos enquanto ensinava umas raparigas das filas da frente a dançar dizia tudo: esta música não tem fronteiras.

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