Divisões e críticas contra a Igreja Ortodoxa no caso das Pussy Riot

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O patriarca Kirill tem sido muito criticado pelo seu apoio declarado ao Presidente Vladimir Putin Alexander Nemenov/AFP

A atitude intransigente da hierarquia ortodoxa russa no caso das Pussy Riot manchou a imagem da Igreja na sociedade e está ser alvo de críticas de muitos fiéis e mesmo de alguns padres, para quem perdoar as três jovens raparigas teria sido um gesto mais conforme aos valores cristãos.

"A hierarquia ortodoxa fez mal em dar tanta importância a este caso e em adoptar uma posição tão rígida. Isso transformou estas mulheres em mártires", disse à AFP Vladimir Oivine, do site Credo.ru, especializado em assuntos religiosos.

Em Fevereiro, cinco elementos do colectivo feminino Pussy Riot encenaram uma "oração punk" na Catedral do Cristo Salvador. Acompanhadas por ruidosos guitarristas e com as caras tapadas com passa-montanhas coloridos, pediram aos gritos à Virgem Maria para livrar a Rússia de Putin. Numa actuação que foi filmada e está disponível no You Tube, vê-se as raparigas a ajoelhar-se e a fazer sinais da cruz, e a ruidosa "oração" é entrecortada por uma melodia que se assemelha a um canto religioso. O suficiente para chocar muitos crentes.

O patriarca Kirill qualificou a acção de "sacrilégio" e o porta-voz do patriarcado, Vsevolod Tchapline, considerou que as jovens tinham cometido um "crime pior que homicídio" e que deviam ser "punidas".

Mais de 70% da população russa declara-se ortodoxa, mas o número de religiosos praticantes anda à volta dos 5 a 7%, segundo várias sondagens. Milhares de fiéis responderam ao apelo do patriarca e juntaram-se numa oração a céu aberto em frente da Catedral, em Abril, para "corrigir o sacrilégio" cometido pelas jovens.

"Vergonha"

De todos os que participaram na encenação-protesto, só Nadejda Tolokonnikova, 22 anos, Ekaterina Samoutsevitch, 29, e Maria Alekhina, 24, foram presas e acusadas de "hooliganismo" e de "incitamento ao ódio religioso". O julgamento durou duas semanas e acusação pediu três anos de prisão para cada uma. Sexta-feira será lida a sentença.

Segundo uma sondagem do centro Levada, 47% dos russos consideram que uma condenação das três Pussy Riot a sete anos de prisão, a máxima prevista na lei para um caso destes, seria plenamente justificada.

Mas nem todos os russos pensam assim. "É uma vergonha para a Igreja andar a mandar pessoas para a prisão. A Igreja qualifica a acção delas como sacrilégio mas o verdadeiro sacrilégio é julgá-las em nome de Cristo. A fé cristã é a misericórdia e o amor", escreveu no site Grani-ru um padre de Moscovo, Viatcheslav Vinnikov, de 74 anos, numa crítica aberta ao patriarcado.

O professor da Academia de Teologia, o padre Andrei Kouraiev, que é também um dos bloggers ortodoxos mais conhecidos na Rússia, também pediu clemência para as três mulheres, mesmo considerando que a actuação das Pussy Riot na catedral foi uma "coisa execrável".

Segundo o jornal Vedomosti, a Igreja Ortodoxa russa está em vias de cometer "o seu erro mais grave desde 1901", quando o escritor Leão Tolstoi foi excomungado.

Para vários observadores, o processo das Pussy Riot é um embaraço para a Igreja e para o patriarca, que já foi criticado várias vezes nos últimos meses, nomeadamente por ter apoiado publicamente Vladimir Putin nas eleições presidenciais de Março. Kiril também foi criticado por ter condenado o movimento de contestação que na altura se desenvolveu contra o Kremlin - o e no qual as Pussy Riot se integram -, acentuando o sentimento de muitos russos de que existe demasiada proximidade entre a Igreja e o Estado.

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