PSD e CDS divergem sobre nova proposta para criminalizar o enriquecimento ilícito

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Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD, diz que "obstáculos" levantados pelo TC são "transponíveis" Foto: Rui Gaudêncio

Sociais-democratas insistem que ainda nesta legislatura haverá uma nova proposta. Centristas são mais prudentes.

Os dois partidos da coligação governamental estão em dissonância quanto à intenção de voltar a apresentar uma proposta para criminalizar o enriquecimento ilícito, depois do chumbo de anteontem do Tribunal Constitucional (TC) e do consequente veto presidencial do diploma. O PSD está determinado, enquanto o CDS é mais prudente.

A vice-presidente da bancada social-democrata Teresa Leal Coelho garante que "será criado o crime de enriquecimento ilícito nesta legislatura". Em declarações ao PÚBLICO, a deputada reconhece que o acórdão do TC traz "obstáculos", mas considera que "são transponíveis" e saúda a decisão por permitir o debate público sobre o modelo de sociedade.

Teresa Leal Coelho contesta a ideia de que a Constituição seja uma barreira inultrapassável. "Não se tente convencer os portugueses de que o nosso quadro constitucional impede de combater este flagelo."

Já o CDS é mais prudente. Em reacção ao chumbo do TC, o vice-presidente da bancada Telmo Correia disse "ficar mais difícil" retomar a questão depois deste "cartão vermelho". O deputado mostrou, no entanto, disponibilidade para avaliar a decisão do tribunal. "Consideramos que foi feito um esforço muito sério para conseguir que este diploma, do nosso ponto de vista, fosse constitucional. Ainda assim, o Tribunal Constitucional decidiu de outra forma, nós respeitamos essa decisão, e a partir daqui faremos uma avaliação e uma análise para vermos se é possível ou não retomar este tema e de que forma. Evidentemente que fica mais difícil", afirmou Telmo Correia. Mantendo as reticências que o CDS sempre teve nesta matéria, o vice-presidente da bancada lembrou que "a inconstitucionalidade pairou sempre neste diploma".

Uma das questões que o TC colocou em causa no acórdão é a presunção da inocência por considerar que o diploma não protegia o direito ao silêncio. É que um arguido para provar a origem lícita de um determinado património ou rendimento – incongruente com os seus rendimentos – pode ter de revelar factos da sua vida privada, como, por exemplo, a existência de uma relação extraconjugal. E, se ficar em silêncio, pode ser condenado. Para Teresa Leal Coelho, este argumento não colhe, porque "o silêncio pode levar à condenação neste crime como em outros". E sustenta que "não deixa de haver presunção de inocência pelo facto de se incriminar a incongruência entre o património de um indivíduo perante o declarado. O que há é indícios da prática de um crime; se foi ou não praticado, a investigação e a prova em julgamento irão apurar". Outra das inconstitucionalidades apontadas pelo TC tem a ver com a inexistência de bem jurídico a proteger com esta lei. Teresa Leal Coelho contesta: "É a transparência, a probidade e o dever de verdade cívica. Basta descer à rua e perguntar às pessoas."

A vice-presidente do PSD – eleita no congresso de há duas semanas – sublinha como fundamental a criminalização do enriquecimento ilícito, sobretudo, numa altura em que se pedem sacrifícios aos portugueses. "Não conseguimos entender o enriquecimento desmedido nas últimas décadas de algumas pessoas sem que seja compatível com os seus rendimentos legítimos", afirma, considerando que a situação "é lesiva da confiança alheia".

Perante o chumbo do TC, só resta a Cavaco Silva vetar a lei e devolvê-la à Assembleia, ao abrigo da Constituição. Os partidos que aprovaram o diploma – todos à excepção do PS – podem propor uma nova versão. O PCP, o BE e os Verdes também mostraram disponibilidade para avançar com uma nova proposta.

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