O "príncipe vermelho" de Chongqing perdeu a hipótese de governar a China

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Acabaram-se os tempos das canções revolucionárias para Bo Xilai em Chongqing Jason Lee/Reuters

Bo Xilai destacou-se pelo carisma à frente de um município de 30 milhões de pessoas, em que trazia de volta canções e ideias do tempo de Mao. Mas as suas ideias anti-reformistas não vingaram em Pequim

Os idos de Março nunca foram uma boa época para os políticos, Júlio César que o diga. Ou Bo Xilai, o populista secretário do Partido Comunista Chinês (PCC) da megacidade de Chongqing, também considerado "neomaoísta", afastado do cargo na quinta-feira, depois de o primeiro-ministro Wen Jiabao ter apontado a sua acção de forma negativa na véspera.

Este afastamento de um dos "príncipes vermelhos", os descendentes dos companheiros de Mao na revolução de 1949, que têm grande importância - e peso económico - na hierarquia chinesa é a maior exteriorização pública da intensa luta pelo poder a nível nacional das últimas décadas, dizem os analistas. E reflecte bem a importância do momento que está se está a viver na China.

Este ano, o vice-presidente Xi Jinping vai herdar a liderança do PCC das mãos do actual Presidente, Hu Jintao. Mas não é só. O Outono será escaldante em Pequim: em Outubro, no 18.º Congresso do PCC, serão escolhidos os nove homens que realmente governam a China - e Bo Xilai, de 62 anos, o carismático líder do município de 30 milhões de habitantes do Sudoeste do país, tinha muito boas hipóteses de ser um deles.

Mas o estilo e as acções de Bo Xilai, embora populares, inquietavam. Apesar do seu ar mais moderno, parecido com o dos políticos ocidentais, parecia não se ter deixado dos seus tempos da Revolução Cultural, quando com outros jovens privilegiados formava a brigada Liandong, que atacava funcionários públicos e até outros grupos da juventude maoista, relata o Financial Times.

Bo era uma figura grada da "esquerda" do PCC, os neomaoístas: desde que chegou a Chongqing, em 2007, promovia grandes encenações para cantar músicas da Revolução Cultural (que fez milhões de vítimas) e eram enviadas para os telemóveis dos habitantes via sms com citações do Mao, relata a revista The Economist.

Lançou também uma feroz campanha contra os gangs mafiosos da cidade, prendendo mais de 2000 pessoas, entre as quais alguns políticos, diz o Guardian. Mas o advogado de defesa de um dos criminosos foi preso, o que gerou preocupações de que o direito a pôr em causa a acusação não estivesse garantido. Mas Bo tornou-se popular por investir na construção de habitações para os mais pobres.

Apesar do ar ocidentalizado, as suas ideias remetiam para os tempos de antes das reformas, com um forte toque de populismo, como vários dos "príncipes vermelhos", que criticam o caminho que a China tem tomado, com a tensão permanente entre as reformas económicas e uma abertura política moderada: "Se só algumas pessoas são ricas, então somos capitalistas e falhámos".

Uma nuvem negra começou a pairar sobre a sua cabeça, no entanto, quando o seu braço direito, o chefe da polícia e vice-presidente da câmara Wang Lijun se refugiou no consulado norte-americano em Chongqing, a 6 de Fevereiro. Poderia estar a pedir asilo político - ou a pedir protecção contra a própria polícia, nunca se percebeu. Paira a suspeita que pode ter transmitido informações aos americanos sobre casos de corrupção. Foi aqui que começou a queda de Bo.

O aviso de Wen Jiabao

Na reunião anual do Congresso Nacional do Povo - o Parlamento chinês, que tem pouco de representativo -, Bo Xilai reconheceu ter tido uma "surpervisão negligente" sobre o seu colaborador. E na quarta-feira, na conferência de imprensa após o encerramento do Congresso, o primeiro-ministro Wen Jiabao referiu-se-lhe de forma que não deixava dúvidas quanto à queda em desgraça do populista que era um expoente da "nova esquerda" chinesa.

As suas tentativas para se tornar popular através de uma campanha "vermelha" tornaram-se incómodas de mais. A sua retórica revolucionária ameaça trazer de regresso o modo operativo destruidor da Revolução Cultural, disse Wen: "O comité [do PCC] e o governo actual de Chongqing devem reflectir seriamente no incidente Wang Lijung e tirar as devidas lições. O que aconteceu mostra que tudo o que façamos deve basear-se nas experiências e lições retiradas da história", afirmou o primeiro-ministro, numa conferência de imprensa de três horas transmitida em directo na televisão.

No dia seguinte, já sem muita surpresa, a agência oficial Xinhua noticiou que Bo Xilai tinha sido afastado e que o vice-primeiro-ministro Zhang Dejiang o iria substituir em Chongqing. O que irá acontecer a Bo - se sofrerá sanções judiciais, por exemplo, ainda não se sabe. Já não está é entre os eleitos da hierarquia.

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