Halcyon Digest

Foto

Não há muitos discos como "Halcyon Digest": discos que nos reconciliam com a ideia da canção perfeita (ou a sua busca - a beleza está na busca, não é?), que não põem o mundo de pantanas à procura de uma nova gaveta estilística, preferindo sentar-se nos mais bonitos degraus da história da música popular e ficar a olhar para nós, meros mortais, lá do alto.

Ao quarto álbum, os Deerhunter aproximam-se do que Bradford Cox vem fazendo a solo, enquanto Atlas Sound, mas com uma linguagem de banda que só engrandece a visão do vocalista e guitarrista. A distorção e as tentações "shoegaze" aceleradas dos (brilhantes) Deerhunter do passado deram lugar a (mais do que brilhantes) canções pop que nascem num "cocktail" narcótico suave. Os novos Deerhunter vão ao baú dos discos dos pais recuperar as fórmulas clássicas da pop. Trememos de felicidade com "Memory Boy", com aquela introdução em órgão que é todo um programa eufórico, e "Revival", melodias sacadas ao cancioneiro mais primitivo do rock'n'roll. São tão capazes de fazer uma canção indie rock perfeita ("Desire Lines", espantoso crescendo com mais de três minutos ancorado num "riff" de guitarra espantosamente simples; há ainda vozes a flutuar ao fundo, como num sonho), como cantigas de embalar com "loops" em cascata ("Helicopter", "He would have laughed", esta última com Cox feito trovador folk) ou de enfiar um solo de saxofone, gloriosa heresia indie, em "Coronado". Em "Halcyon Digest", um dos mais fortes candidatos a disco do ano, tudo isto se desenrola num maravilhoso torpor, algures entre a escuridão (território que Cox, que sofre do síndrome de Marfan e cuja vida pessoal teve vários reveses, visita frequentemente nas suas letras) e uma alegria que resulta da constatação de que as coisas podiam estar bem piores - e que enquanto estamos vivos mais vale aproveitar.

Sugerir correcção
Comentar