Uma Fénix pintada com as cores do Chile já fez renascer maior parte dos mineiros

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O electricista Mario Sepulveda foi dos mais efusivos à chegada: "Viva o Chile, merda!" Ivan Alvarado/Reuters

Florencio Ávalos tinha dito às equipas de resgate para fazerem todo o barulho que quisessem com a perfuradora, porque quanto maior fosse o barulho melhor se dormiria lá em baixo. Esta noite, pela primeira vez em 69 dias, vai dormir à superfície. Foi o primeiro dos 33 mineiros presos a mais de 600 metros de profundidade a subir na cápsula Fénix. Na mina de San José, no Norte do Chile, foi recebido com aplausos, abraços e lágrimas.

Pouco mais de 23 horas após a saída do primeiro mineiro, tinham já chegado à superfície 27. O ritmo de da operação de resgate tem aumentado à medida que a operação avança. Florencio Ávalos, Mario Sepúlveda, Juan Illanes, Carlos Mamani, o único boliviano do grupo, Jimmy Sánchez - o mais novo, de 19 anos - e Osman Araya foram os primeiros. A cada 50 minutos há euforia e aplausos. Foram transportados para o hospital de Copiapó e "estão bem", segundo o ministro da Saúde chileno, Jaime Mañalich. Para o Presidente Sebastiá Piñera "nem os mineiros nem o Chile serão os mesmos".

Passavam 10 minutos da meia-noite no Chile (4h10 em Lisboa) quando a porta da cápsula Fénix se abriu, com Florencio Ávalos lá dentro. Minutos antes os olhos estavam postos na roldana amarela por onde passam os cabos que sustentam aquela estrutura pintada de vermelho, azul e branco, as cores da bandeira do Chile. O Presidente Sebastián Piñera trocava algumas palavras com os socorristas. A seu lado, Mónica Araya, a mulher de Florencio Ávalos, parecia suster a respiração durante os poucos mais de 10 minutos que a cápsula demorou a subir. O filho de ambos, Byron, de sete anos, sorria e apontava para grua. Até que, quando a Fénix finalmente surgiu à superfície, trocou o sorriso por um choro compulsivo e correu lançando-se nos braços do pai.

“Que emoção! Que felicidade! Que orgulho em ser chileno!”, disse Sebastián Piñera, que foi atrás de Mónica Araya abraçar Florencio Ávalos. Este mineiro de 31 anos trabalhava na mina de San José há três e era um dos principais responsáveis daquela equipa, a seguir ao chefe de turno, Luís Urzua Iribane. A família de Florencio ficou ainda à espera do irmão mais novo, Renán, de 29 anos, que também está dentro da mina.

Passou uma hora, quase exacta, até voltar a haver uma explosão de alegria. Desta vez foi Mário Sepúlveda, um electricista de 47 anos, a sair da cápsula Fénix. “Viva o Chile, merda!”, gritou. Caiu nos braços da mulher, Katty Valdivia, e depois começou a distribuir aos socorristas lembranças das profundezas, pedras que conseguiu trazer de dentro da mina. Nos últimos dois meses ele tinha sido o “jornalista” de serviço, o responsável por gravar imagens no interior da mina.

Mais uma hora, até às 6h11, outros 15 minutos de subida da cápsula, e é então que chega Juan Illanes Palma, ex-militar de 52 anos que também foi apanhado pela derrocada na mina de San José, a 5 de Agosto. “Foi como estar num cruzeiro”, disse, sem esconder o alívio. Foi o terceiro mineiro a ser resgatado, faltavam 30.

Uma hora por cada resgate

Durante a madrugada os preparativos para o resgate tinham decorrido como o previsto, apesar de algum atraso na operação. A ordem pela qual os mineiros subiriam foi divulgada às famílias e seguia os critérios que já tinham sido anunciados: primeiros os mais hábeis, que fossem capazes de reagir a qualquer problema na operação, depois os mais débeis, cujo estado de saúde inspirasse maior preocupação, e finalmente os mais fortes, capazes de aguentar mais tempo. O chefe de turno Luís Urzua Iribane será o último a abandonar o interior da mina, o que só acontecerá amanhã. Cada resgate demora, em média, uma hora.


Em Copiapó, a cidade mais próxima daquela mina, as buzinas não param de apitar para celebrar o resgate. É também lá, no hospital local, que está tudo a postos para receber os mineiros que precisem de cuidados médicos, isto para além do hospital de campanha que foi montado no acampamento Esperanza, mesmo junto à mina. Nos últimos dias foi construído um heliporto e a viagem de helicóptero para Copiapó será rápida, cerca de 12 minutos.

Na mina estão cerca de 2000 jornalistas de todo o mundo, que agora rodeiam os familiares dos mineiros. “Tínhamos a convicção que eles estavam vivos e que os íamos salvar. Dissemos que os íamos procurar e encontrámo-los. Agora dizemos que os vamos socorrer sãos e salvos e é o que vamos fazer”, disse-lhes Piñera. “Um país que quer ser desenvolvido tem de respeitar os seus trabalhadores”, acrescentou. “Nem os mineiros nem o Chile serão os mesmos”.

A cápsula Fénix, com cerca de quatro metros de altura e 53 centímetros de diâmetro, avança cerca de um metro por segundo. Foi equipada com um sistema de comunicações para que os mineiros possam estar em contacto com as equipas de resgate, com um aparelho para medir a cada instante os sinais vitais dos mineiros e oxigénio. Uma câmara transmite imagens do rosto para detectar possíveis reacções de pânico e as equipas de salvamento estão também a receber imagens do fundo da mina.

A operação de resgate começou pela meia-noite em Lisboa. Nessa altura, o ministro das Minas, Laurence Golborne, anunciou que a cápsula desceria pela primeira vez dentro de duas horas. À entrada da mina foi colocada uma enorme bandeira do Chile, primeiro a cápsula desceu até aos 60 metros de profundidade, uma curta viajem de teste, e depois até aos 478 metros, já a menos de 200 metros dos mineiros. O socorrista Manuel Gonzáles, da Codelco, a companhia nacional de cobre chilena, foi o primeiro a descer para ir buscar Florêncio Ávalos. “Abracem-se. Sorriam. Aplaudam. Florêncio está a chegar”, pediu o ministro das Minas.

A euforia toma conta da mina a cada 50 minutos. Já pelas 3h09 no Chile a Fénix trouxe à superfície Carlos Mamani, 24 anos, o único mineiro boliviano que ficou soterrado juntamente com os 32 companheiros chilenos. O Presidente da Bolívia, Evo Morales, tinha anunciado que o iria visitar no hospital de Copiapó, mas enquanto não chegava foi Piñera que o recebeu, de bandeira da Bolívia na mão. Morales apareceu algumas horas depois, saudou Carlos Mamani e agradeceu ao Chile todo o empenho neste resgate. “Em nome do Governo boliviano, não sei como pagar a dívida por este esforço”.

Antes de subir pelo poço escavado pela perfuradora T130, que já foi retirada da mina ao som de um enorme aplauso, todos os mineiros tinham manifestado dois desejos: queriam ficar todos juntos após o resgate e ser o último a sair. Mas a lista foi definida segundo critérios técnicos e médicos. Depois dos quatro primeiros, que ajudaram a testar a eficácia do sistema de resgate, chegou a vez dos mais vulneráveis. A prioridade foi dada a Jimmy Sanchez, o mais novo de todos. Com 19 anos, será um dos mais fragilizados pelos 69 dias que passou debaixo de terra. Saiu da Fénix pelas 4h13, primeiro apreensivo, depois sorridente, muito cansado.

Uma hora depois chegou a vez de Osmán Araya, de 30 anos, e pouco passava das 6 horas locais quando foi resgatado José Ojeda Vidal, de 45 anos. Por ser diabético, foi dos mineiros que mais cuidados exigiu ao longo destes dois meses. "Sê paciente, vais ficar bem", disseram-lhe os responsáveis da equipa de resgate. Foi ele que, 17 dias após a derrocada de 5 de Agosto, conseguiu enviar através de uma sonda a mensagem "Estamos bien en el refugio, los 33".

Seguiu-se Claudio Yañez Lagos, de 34 anos, que foi recebido no exterior da mina pela companheira e as duas filhas, e já pelas 8 horas chegou a vez de Mario Gomez, o mineiro mais velho, de 63 anos. Cá fora ouviu-se "Mário, Mário", a sua mulher, Lilianet Ramírez, correu para o abraçar. Mário Gomez saiu da cápsula com a bandeira do Chile na mão, ajoelhou-se no chão a rezar.

Alex Vega Salazar, mecânico de 31 anos, foi o décimo mineiro a ser resgatado, e ainda não tinha chegado à superície quando o seu irmão mais velho, Jonathan Vega, disse que lhe iria pedir para não regressar ao trabalho nas minas.

Seguiu-se Jorge Galleguillos, de 56 anos, para quem chegaram a ser enviados para o interior da mina medicamentos para a hipertensão, e nas horas seguintes, já meio da manhã no Chile, foram também resgatados os mineiros Edson Pena, de 34 anos, e Carlos Barrios, de 27. Este tinha à sua espera uma surpresa que nem precisou de ser contada: vai ser pai pela segunda vez.

Já pelas 11h30 no Chile subiu na cápsula Fénix o mineiro Victor Zamora, de 33 anos. Nessa altura, os jornalistas ouviram Piñera falar ao telefone com o Presidente do Brasil, Lula da Silva, a quem disse "estamos à sua espera no Chile" e enviou "o abraço maior do mundo". Naquela que foi a segunda vez que se dirigiu aos repórteres, e desta vez em inglês, o Presidente do chileno disse que "a maior riqueza do Chile não está no cobre, está na sua gente".

Outro Victor, Segovia, 48 anos, que trabalhava nos trabalhos de perfuração no dia do acidente, e manteve um diário sobre o que viveu nos últimos dois meses, foi o décimo-quinto a recuperar a liberdade. À sua espera tinha os Presidentes chileno e bolivano, Evo Morales. E muita gente interessada em conhecer a história que tem para contar.

O passageiro seguinte da Fénix foi Daniel Herrera, 27 anos. Cá fora tinha à espera a mãe, amparada por elementos da equipa de resgate. São quase 13 horas no Chile. Juntam-se num longo abraço. O Presidente Piñera, que entretanto recebeu palavras de apoio do primeiro-ministro britânico, David Cameron, acredita que, por estar a correr tão bem, o resgate possa acabar antes do previsto.

Metade da missão cumprida

Com o salvamento de Omar Reygadas, 56 anos, o 17º mineiro a percorrer os quase 700 metros entre a mina e o exterior, operação está a mais de meio. Omar trabalha há quase 30 anos na mina e este acidente em que esteve envolvido foi o terceiro a que assistiu. Pediu que tivessem preparada uma refeição especial à sua espera e que o deixassem ver muita televisão. Antes tem que ir ao hospital. Na maca em que foi levado ao hospital exibia uma bandeira do seu clube de futebol, o Colo Colo. Antes disso, ajoelhou-se e agradeceu à equipa de resgate.


Pelas 14h00 locais, um problema na porta do vaivém obriga a uma curta inspecção à Fénix. Nada que impeça o prosseguimento da operação. Logo de seguida, a cápsula parte para resgatar Esteban Rojas, 44 anos. Na viagem seguinte chegará outro Rojas, Pablo, 45 anos, primo de Esteban. O bom ritmo da operação confirma-se; uma meia hora depois, às 16h01 locais, é retirado da mina Darío Segóvia, 48 anos, mineiro desde os oito, que chega com um enorme sorriso. É o 20º homem a voltar à superfície.

Yonny Barrios, Samuel Ávalos, Carlos Bugueño, José Henríquez, Renán Ávalos. Em cerca de duas horas, entre as 16h35 locais e as 18h27 (22h27 em Lisboa), o pesadelo da mina acaba para cinco homens. E na hora segunte para mais dois. A este ritmo rapidamente chegará a vez do último mineiro, Luíz Urzuá, 54 anos, tido como o líder natural do grupo.

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