Who Is This America?

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O afrobeat, tal como definido por Fela Kuti, foi uma verdadeira revolução musical. Ofereceu ao mundo uma linguagem absolutamente nova, que os que vieram depois aproveitaram para novas combinações e novas invenções. Os seus padrões rítmicos serviram de base a muita música africana daquele mesmo tempo (a década de 70) e a música dita electrónica criada várias décadas depois. O que os Antibalas fazem, contudo, não é tanto construir sobre uma linguagem.

São o afrobeat, tal como o conhecemos, mas interpretado por novos músicos, num outro tempo: uma banda em Brooklyn, na primeira década do século XXI, a comprovar a força interventiva de um som e a sua absoluta modernidade, 40 anos depois. "Who Is This America?", originalmente editado em 2004 e agora reeditado, será o disco dos Antibalas em que tal se prova de forma mais evidente. Álbum de protesto (foi editado pouco antes da reeleição de George W. Bush), "Who Is This America?" alimenta-se de música contagiante, hipnótica, irresistível; música que, assinale-se, não está aqui para servir de pano de fundo ao protesto (de resto, algumas das canções, como "Pay back Africa", não são sequer cantadas). No limite, é como se os polirritmos, os demoníacos solos de sax ou os órgãos eléctricos fervilhantes fossem eles mesmos, por si só, acção que dispensa o discurso: cativando-nos, envolvendo-nos, "convencendo-nos" ao longo dos 14 minutos ou dos 19 minutos que duram algumas das sete canções. Ainda assim, a voz existe, e a voz de "Who is this America dem speak of today?", por exemplo, é um comentário acutilante ao país criado por imigrantes que hoje se atarefa a barrar-lhes entrada. A música é imediata e de uma elegância quase feroz. Um "melting-pot" onde solos de jazz sabem a "highlife" nigeriano, onde as percussões têm toque afro-cubano e onde a guitarra se concentra no ritmo de forma incessante (a apropriação do legado de James Brown). As palavras, excepção ao dedo acusador apontado a Dick Cheney, Condoleezza Rice ou Bush filho ("Indictment!", ouvimos gritar), são mais inteligentes do que o gasto erguer de voz contra o "sistema" (conferir "Big man", um cruel retrato da opressão inerente ao capitalismo, oferecido em forma de parábola). Num certo sentido, "Who Is This America?", reeditado, ainda sem distribuição portuguesa, com canção extra ("Money talks" no CD; "Paz", na versão digital), é "apenas" um belíssimo álbum de afrobeat vintage. Porém, classificá-lo como tal é falhar o essencial. Em "Who Is This America?", o afrobeat é música moderna, vibrando nos dias de hoje. Não é vintage, é agora. E é importante.

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