O manto negro de Manchester desceu sobre Coura

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Peter Hook durante oconcerto de Paredes de Coura Paulo Pimenta

No final dos anos 1970, Manchester e arredores estavam em plena transformação pós-industrial. "Unknown Pleasures", lançado em Junho de 1979 pelos Joy Division, é frequentemente visto como a banda sonora perfeita para esse cinzentismo. Trata-se de um disco visceral, cru, em permanente tensão. Na noite de sexta-feira, as nuvens negras de Manchester desceram sobre Paredes de Coura, com o baixista Peter Hook, acompanhado dos The Light, a apresentar com garra e concisão o álbum que se viria a tornar num marco da música moderna. O som festivo e dançável dos Klaxons limpou essas nuvens negras, encerrando em ambiente de festa e excesso a noite do palco principal.

Já lá vamos, porque há um festival diferente que acontece antes da noite se pôr. Com pouco público ainda no recinto, as primeiras bandas tentam tornar o palco “pequeno”, criando um ambiente mais intimista. Foi isso que, à sua maneira, fizeram The Tallest Man on Earth e PAUS. O primeiro projecto é, na verdade, o nome artístico do sueco Kristian Matsson, cujas composições remetem, quase invariavelmente, para o folk e para paisagens norte-americanas. No “maior palco” em que alguma vez tocou, estavam apenas uma cadeira e três estojos de guitarra. No entanto, a voz cheia de grão de Matsson – que nos faz pensar em Bob Dylan – e um par de temas simpáticos – como "The gardener" e "The king of Spain" – arrancaram palmas a compasso e fizeram do sueco uma boa companhia de final de tarde. Os PAUS, que editaram recentemente "É uma água", o EP de estreia, operaram de modo completamente diverso: o quarteto é todo ele ritmo e tribalismo, uma espécie de pós-rock desgovernado em que não há altos e baixos, porque o andamento está sempre em aceleração. Fazendo uso da “bateria siamesa” (a cargo de Joaquim Albergaria, ex-Vicious Five, e Hélio Morais, dos Linda Martini), agarraram a atenção de um bom milhar de festivaleiros, que se juntou à boca do palco.

Seguiram-se os Courteeners, que tinham a missão de fazer a transição entre o final da tarde e a noite. Apesar dos seus dois álbuns terem chegado ao top dez de vendas inglês, passaram algo despercebidos, contrariando as expectativas. Muitas das suas composições, especialmente as mais antigas, não escondem um forte travo a brit-pop, mas o último disco, "Falcon", é mais ambicioso – alguns dos seus temas, como "Cross my heart & hope to fly" estão acima da média. Ainda assim, duvidamos que os Courteeners alguma vez ultrapassem muito a mediania, porque há pouco a diferenciá-los de outros milhares de bandas – só ouvimos um riff memorável, o de "Not nineteen forever".

No meio dos concertos de Peter Hook e dos Klaxons, actuaram os White Lies, que têm sido apontados pela imprensa britânica como candidatos a um destino brilhante (ou seja, serão "the next big thing"). O quarteto londrino apresenta-se como claro seguidor da estética Joy Division: guitarras angulares, baixo proeminente, atmosfera sombria. Conseguem coleccionar estas características e apresentá-las de forma límpida, mas sem rasgo, quase parecendo fazer colecção de clichés pós-punk. O público minhoto seguiu-os com agrado, apesar de ter tido uma excelente oportunidade de perceber as diferenças entre a matriz, que os antecedeu, e mais um sub-produto.

Peter Hook está em forma

Antes de encetar uma série de concertos para apresentar na íntegra "Unknown Pleasures", Peter Hook – ex-baixista dos Joy Division e depois dos New Order – deve ter pensado nos riscos que corria. O objectivo é homenagear Ian Curtis, o vocalista que se suicidou em Maio de 1980, mas como fazê-lo 30 anos depois, sem que isso pareça decadente? O concerto de Hook e dos coesos The Lights – onde o seu filho Jack toca baixo – foi um triunfo porque o baixista, em grande forma, tomou uma série de boas opções. Em primeiro lugar, assumiu as vocalizações com personalidade, em vez de recrutar alguém que se colaria às opções de Ian Curtis. Em segundo lugar, não deu espaço à banda para divagar – os temas de "Unknown Pleasures" são enxutos e directos –, mas também não a obrigou a seguir a cartilha completa. Quem conhece os originais apercebeu-se de pequenas subtilezas, mas apenas os sintetizadores em "She’s lost control" pareceram dispensáveis. Por último, Hook não fez qualquer discurso potencialmente lamechas sobre Curtis, limitando-se a tocar. O resto é história: é impressionante perceber que canções como "New dawn fades" ou "Wilderness" podiam ter sido facilmente compostas em 2010. No "encore", ouviram-se "Transmission" e "Love wil tear us apart" – é irónico, mas um dos últimos gritos de desespero de Curtis encontra-se transformado num tema festivo.

E a festa continuou, naturalmente, com a actuação dos Klaxons. Os britânicos – a meio caminho entre o rock e a electrónica, o punk e a cena rave – só sabem tocar com o prego a fundo, e foi isso que fizeram. Apresentaram alguns temas de "Surfing the Void" – a ser lançado a 23 de Agosto – e todos os êxitos, de "Golden skans" a "Atlantis to Interzone", no "encore". O "crowd surfing" foi constante e surpreendeu até a própria banda, mas quem observou a actuação mais friamente percebeu que os Klaxons são, de facto, uma banda de grandes singles e de outras canções menores. Numa primeira análise, os temas do novo disco não parecem ser tão directos como os de "Myths of the Near Future".

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