Director do Museu Nacional de Arte Antiga afastado por não ter perfil de gestor

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Paulo Henriques tem um longo percurso à frente de museus Pedro Elias (arquivo)

Paulo Henriques é o segundo director a sair na sequência das novas directrizes do ministério para o sector. Plano estratégico para os museus fala em "práticas de gestão" e pede "ganhos de eficácia".

É o segundo director a ver-se afastado do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) em menos de três anos: Paulo Henriques, que tomou posse em Setembro de 2007, foi informado ontem pelo Ministério da Cultura (MC) que o seu perfil não corresponde ao que se pretende neste momento para a condução do histórico primeiro museu português.

Foi nesses termos que pouco depois comunicou a sua saída à equipa do museu, enquanto, internamente, o ministério fazia saber que a nova direcção seria anunciada hoje. Ao fim do dia, já por comunicado, o ministério esclarecia que o afastamento de Paulo Henriques a oito meses do fim da sua comissão de serviço renovável surge "no âmbito de uma nova orientação estratégica dos organismos do Ministério da Cultura [...] em que se inclui o Plano Estratégico para os Museus do Século XXI".

É um plano a apresentar esta tarde, no Museu de Arte Popular, a partir de um documento a que o PÚBLICO teve acesso e que, entre outras medidas de fundo, atribui a alguns museus e palácios financiamentos plurianuais, libertando-os do actual espartilho da gestão anual.

Escolha inesperadamente apaziguadora no momento do polémico afastamento da historiadora Dalila Rodrigues, após um braço-de-ferro público com a então ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, Paulo Henriques, de 52 anos, chegou ao MNAA com um percurso de dez anos à frente do Museu Nacional do Azulejo. Formado em História da Arte e membro da direcção da galeria Loja do Desenho, espaço que nas décadas de 1980 e 1990 contribuiu para autonomização desta disciplina em Portugal, esteve ainda à frente do Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha, entre 1992 e 1998.

Tido como um especialista versátil, hábil no cruzamento de várias linguagens e tempos históricos, rigoroso e com grande sentido de ética profissional, pensou-se, à época da sua chegada ao MNAA, que pudesse contribuir com um olhar mais transversal sobre as colecções, equilibrando, com a sua formação em escultura e artes decorativas, a tendência dos seus antecessores de enfoque nos acervos de pintura.

Ao tomar posse, apontava um caminho diferente do ensaiado por Dalila Rodrigues: em vez de iniciativas de grande visibilidade, ao encontro de novos públicos e apoios mecenáticos, Paulo Henriques anunciou a tentativa mais invisível de recuperação de uma credibilidade científica que entendeu estar debilitada, afastando-se assim da procura da autonomia financeira que marcou o percurso da sua antecessora. E isso pode ter-lhe custado agora o lugar. Não será o perfil mais tradicional do director-investigador, mas o do director-gestor, que o Ministério da Cultura de Gabriela Canavilhas procura para a condução dos museus sob tutela do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC).

Que perfil de director?

Sem entrar em pormenores, o comunicado do Ministério da Cultura remete novos esclarecimentos sobre a saída de Paulo Henriques para a conferência de hoje de apresentação do Plano Estratégico para os Museus do Século XXI. Marcado por palavras como "inovação", "criatividade", "participação", "avaliação", "eficácia" e "coerência", este não define explicitamente um perfil de director, mas refere a "definição de práticas de gestão para os serviços centrais e dependentes", visando ganhos de "eficácia" e "racionalidade", o que parece indicar que a capacidade de gestão e captação de financiamentos é vista como fundamental num director de museu.

De resto, há um mês, a demissão de Joaquim Caetano do Museu de Évora, quando Canavilhas já tinha discutido com o primeiro-ministro, José Sócrates, o seu caderno de encargos para o sector, era já um indicador das expectativas da nova equipa ministerial. Na altura, Joaquim Caetano explicava ter o perfil de um historiador, quando "a prioridade", aquilo que neste momento se pede a um director, "é a captação de financiamentos". "Os museus enfrentam um esquema de avaliação quase empresarial, ao mesmo tempo que mantêm meios de gestão que não se afastam muito da repartição pública e as duas coisas juntas funcionam mal", dizia Joaquim Caetano.

Segundo o novo plano estratégico, com a introdução de financiamentos plurianuais, os museus passarão a ter margem de manobra para fazer programação a mais longo prazo, algo que os seus responsáveis vêm pedindo há muito tempo, mas em troca devem comprometer-se com um programa de actividades definido com o ministério.

O documento é o culminar de uma reflexão sobre o modelo de gestão dos museus que tinha sido iniciada com o anterior ministro, José António Pinto Ribeiro. Na origem está a constatação da situação de penúria dramática em que se encontra a maioria dos museus da rede do IMC: sem funcionários suficientes, sem dinheiro para compras básicas, com edifícios a precisar de obras urgentes e sem capacidade para fazer uma programação.

Outra das propostas do documento é a transferência de alguns dos 28 museus que pertencem ao IMC, "de forma faseada", para o controlo dos municípios ou das Direcções Regionais de Cultura. Os museus a transferir seriam "seleccionados com base em critérios patrimoniais e museológicos e assentes em contratos- programa".

Isto reduziria as despesas do ministério, libertando verbas para os museus que ficassem sob a sua responsabilidade. O documento não explica, contudo, se o poder central se desresponsabilizaria completamente desses museus, um dos pânicos de muitos especialistas ao longo dos últimos anos.

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