Um em cada cinco sequestros comunicados à PJ é simulado

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Só 24 por cento dos sequestros reais são esclarecidos Fernando Veludo/PÚBLICO

Um em cada cinco sequestros registados pela Polícia Judiciária é falso. A simulação é feita pelos queixosos, na sua maioria adolescentes ou adultos em situação de infidelidade. Os números são da Polícia Judiciária, que tem competência exclusiva na investigação deste tipo de crimes. Só no primeiro semestre deste ano, a PJ já conseguiu provar que, num universo de 261 queixas apresentadas, 43 diziam respeito a sequestros simulados.

Esta realidade que não é nova, uma vez que já em 2004 se registaram valores semelhantes: dos 655 sequestros verificados, 138 foram simulados pelas vítimas. "São situações que nos levantam problemas graves. A investigação destes crimes é normalmente mais demorada, até porque exige a afectação de mais meios, para desmontar a história. As vítimas, muitas vezes por vergonha, suportam a sua versão dos factos até às últimas consequências", diz Teófilo Santiago, director nacional adjunto da Polícia Judiciária, na Direcção Central de Combate ao Banditismo.

Mas o que leva alguém a simular um crime de sequestro? As explicações são várias, mas os dados da PJ permitem já encontrar um padrão. No universo dos jovens, "a maioria das situações está relacionada com o insucesso escolar ou servem para justificar a ausência temporária", esclarece Teófilo Santiago, adiantando que no universo dos queixosos adultos há mais homens que mulheres, enquanto nos adolescentes não existem diferenças significativas relativamente ao sexo.

Segundo José Dias Cordeiro, professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lisboa (ver texto na página seguinte), a invenção do sequestro pode resultar da necessidade da alegada vítima "recorrer a artifícios, para atribuir a outrem a responsabilidade da ausência de casa ou do insucesso escolar e não a si próprio". "Além disso, existem personalidades sugestionáveis ou histriónicas, sedentas de notoriedade social e prestígio junto das pessoas. E podem alegar terem sofrido um sequestro para alcançar visibilidade pública", acentua o docente de Medicina Legal/Psiquiatria Forense, da Faculdade de Direito de Lisboa.

Verificada a simulação do crime, a PJ propõe então ao Ministério Público que o falso queixoso seja acusado. A punição em que incorre enquadra-se precisamente na categoria de "simulação de crime" e está prevista no artigo 366 do Código de Processo Penal. A pena a aplicar vai até um ano de prisão, sendo remível numa multa até 120 dias. A pena é agravada até três anos, se a falsa denúncia for acompanhada da imputação a uma pessoa concreta. Mas aí enquadra-se já no artigo 365, denominado denúncia caluniosa.

Sequestros-relâmpago

Cerca de 80 por cento dos sequestros registados são verdadeiros. Mas desses (218 no primeiro semestre deste ano), 30 por cento são sequestros rápidos e 20 por cento têm na sua origem problemas familiares. "Os sequestros-relâmpago são consumados como instrumento para a concretização de roubos", explica Teófilo Santiago, que considera importante que as pessoas evitem o levantamento de dinheiro em caixas automáticas, durante a noite e em locais isolados, de forma a evitar a proliferação deste tipo de crimes. "Lisboa e Porto concentram a maioria dos casos. Aí, ocorrem cerca de 75 por cento dessas situações", esclarece.

Quanto aos sequestros com origem em problemas familiares, são, na maioria das vezes, situações de divórcio mal resolvidas, problemas com a regulação do poder paternal ou casos relacionados com a entidade patronal.

Feitas as contas, restam cerca de 30 por cento de sequestros, nos quais as vítimas não têm qualquer relação de afinidade com os agressores e ficam efectivamente privadas da liberdade durante um período de tempo significativo. "A taxa de esclarecimento na PJ para as situações de sequestro efectivo é de 24 por cento", sublinha o director nacional adjunto da Polícia Judiciária, referindo ainda que cerca de 44 por cento dos crimes são registados entre os meses de Abril e Junho.

Mesmo assim, Teófilo Santiago desdramatiza e garante não serem conhecidos, em Portugal, grupos especialmente organizados que se dediquem a este tipo de crimes. "Admito que existam algumas cifras negras relativamente a sequestros relacionados com negócios de droga. Pelo menos têm-nos chegado algumas notícias de situações desse género, que não nos são oficialmente comunicadas".

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