Três soluções para o maior problema de saúde do mundo

Imagine uma doença tão comum durante tanto tempo que, em alguns países, os seus sintomas são considerados parte integrante da vida diária; imagine uma doença responsável por quase metade das mortes das crianças com menos de cinco anos e que deixa muitas das que sobrevivem com problemas de crescimento e com deficiências cognitivas; uma doença que torna quase todos os outros males ainda mais perigosos e letais; uma doença que existe em países ricos e pobres, matando milhões a cada ano e roubando ao mundo um potencial humano inestimável.

Tecnicamente, não estou a falar de uma doença, mas sim da malnutrição. Mesmo num planeta onde o que não faltam são desafios, este talvez seja o problema de saúde mais comum e negligenciado de todos.

De uma forma ou de outra, a malnutrição afecta mais de 25% da população mundial — ou seja, mais de dois mil milhões de pessoas. As suas vítimas estão em todo o lado. As imagens mais familiares são as das crianças nos últimos estágios da inanição, barrigas inchadas, braços e pernas semelhantes a gravetos, mas há também muita gente que sofre de défice neurológico por falta de iodo, que fica cega por não consumir quantidades suficientes de vitamina A, ou mesmo que se vê com peso a mais por comer alimentos errados em excesso. Algumas pessoas que sofrem deste mal parecem até saudáveis, mas a deficiência de micronutrientes torna mais difícil — ou muitas vezes impossível — a aprendizagem, o trabalho ou o sustento da família.

Uma vez que enfraquece o corpo e a mente, é também uma das causas da pobreza, pois afecta o desempenho escolar e a produtividade, além de dificultar ou piorar todo e qualquer desafio global de saúde e desenvolvimento. No entanto, o mundo dirige apenas 1% da assistência para a nutrição, o que só prova que essa questão não será resolvida tão cedo.

Há, porém, boas notícias: depois de anos de dedicação à solução do problema, investigadores, profissionais da saúde e de ajuda humanitária comprovaram que há várias formas de lidar com a malnutrição. Vou destacar três soluções.

Podemos começar por aceitar o facto de que a malnutrição está relacionada tanto com a qualidade dos alimentos quanto com a quantidade. Mesmo nos lugares mais pobres do mundo, a maioria não passa fome; há comida, mas não a comida adequada. Na Tanzânia, por exemplo, a refeição típica é o ugali, uma tigela de farinha de milho cozida com legumes; se não houver uma variedade considerável deles, ou se o volume de farinha não for suficiente, ou mesmo se esse for o único alimento disponível, o resultado é que a maioria dos tanzanianos sofrerá de falta de algum micronutriente, como ferro, iodo ou vitamina A. Essa é uma das razões por que mais de 40% das crianças daquele país sofrem de défice de crescimento.

Podemos melhorar substancialmente a saúde de milhões de crianças enriquecendo as suas refeições com nutrientes essenciais, da mesma forma que muitos cereais matinais nos países desenvolvidos contêm vitaminas extras. Ferro, sal iodado e vitamina A podem ser acrescentados à farinha de milho — assim a tigela de ugali estará sempre cheia de vitaminas e minerais de que os pequenos necessitam para sobreviver e se desenvolver.

Além disso, sabemos que dar apoio e educação às mulheres do campo rende dividendos duplos: quando têm autonomia de decidir o que plantar e como alimentar a família, elas escolhem opções mais nutritivas e saudáveis — e as pesquisas mostram que, quando podem escolher como gastar os seus rendimentos, as mulheres, mais que os homens, geralmente investem na saúde e no bem-estar da família. O Instituto Internacional de Pesquisa de Políticas Alimentares calcula que, se ambos os sexos tivessem o mesmo status, haveria 15 milhões a menos de crianças malnutridas no mundo.

Por trás de estatísticas como esta estão mulheres como Joyce, uma pequena agricultora do interior da Tanzânia, mãe de quatro filhos. Ela contou-me que o acesso a novas sementes, adaptadas especificamente para o clima do país, ajudou a sua família a ter o suficiente para comer durante o ano em que as outras colheitas não vingarem. Teve até um excedente que gerou uma renda extra, com a qual pôde pagar a mensalidade da escola das crianças. Se quisermos garantir aliados fortes contra a malnutrição e a pobreza, temos de investir em mulheres como Joyce.

Uma terceira solução para evitar a malnutrição é bem simples: a amamentação. O leite materno continua a ser o elemento vital na nutrição infantil, essencial para que a criança tenha um início de vida saudável. Sem uma base alimentar sólida durante os dois primeiros anos, o cérebro do bebé não se desenvolve plenamente e esse dano não pode ser reparado.

Embora seja a melhor opção, não tiramos todas as vantagens da amamentação praticamente em nenhum lugar. Isso deve-se, em grande parte, ao facto de que muitas famílias e sistemas de saúde não compreendem os seus benefícios; um obstáculo comum é a ideia de que o leite em pó e outras fórmulas podem alimentar mais. Mesmo nos EUA gastam-se 10 mil milhões de dólares por ano a tratar de bebés com problemas de saúde causados por amamentação inadequada. Nos países mais pobres do mundo, o leite materno salva milhares de vidas todos os anos e prepara milhões de crianças para um futuro melhor. O nosso desafio é garantir que todas as mulheres conheçam a melhor forma de alimentar os filhos. O bebé deve ser amamentado imediatamente após o nascimento até completar dois anos, com complementos introduzidos após os seis meses de vida.

Ao longo de sua história, a humanidade foi forçada a aceitar o facto de que nem toda a gente tem o suficiente para comer — e por causa disso muitos não têm condições para ter uma vida melhor. Temos sorte em viver numa época em que aceitar o inaceitável já não é a única opção. Sabemos quais são as soluções e sabemos que são eficazes. Vamos começar a aplicá-las.

Melinda Gates é co-presidente da Fundação Bill & Melinda Gates. Exclusivo PÚBLICO/New York Times Syndicate     

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