"O véu integral representa de uma forma extraordinária tudo o que a França rejeita"

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Para a comissão o véu integral simboliza um "desafio aos valores da República" Phil Noble/Reuters

A Assembleia Nacional francesa deve "pronunciar-se solenemente" contra o uso do véu islâmico integral e deverá proibi-lo pelo menos nos serviços públicos, hospitais e transportes públicos, conclui o relatório da comissão parlamentar que, nos últimos seis meses e ao longo de 200 audições, debateu o uso do véu em França, e que os deputados ontem aprovaram.

Os membros da comissão gostariam de ter podido propor uma proibição total: só não o fizeram porque alguns temem que seja inconstitucional. A questão da proibição do véu integral no espaço público alimentou o debate durante o dia na Assembleia.

O relatório, redigido por Eric Raoult, da UMP (União para a Maioria Presidencial, direita), do Presidente Nicolas Sarkozy, foi aprovado à justa, com vários membros deste partido a denunciarem o que consideram ser uma "meia lei". O líder parlamentar da UMP, Jean-François Copé, repetiu a defesa da interdição no espaço público, confirmando que nos próximos dias vai apresentar uma proposta de lei nesse sentido. Mas o debate só deverá acontecer depois das eleições regionais, entre 14 e 21 de Março.

Segundo uma sondagem recente, 57 por cento dos franceses deseja a proibição do uso da burqa.

Para os membros da comissão, o véu integral, que cobre o rosto, é um "sinal pervertido de uma busca de identidade" e simboliza um "desafio aos valores da República". "O véu integral representa de uma forma extraordinária tudo o que a França espontaneamente rejeita", afirmou, por seu turno, Bernard Accoyer, presidente da Assembleia Nacional. "É um símbolo da subjugação da mulher e a bandeira do extremismo fundamentalista", defendeu ainda o deputado da UMP.

O debate divide os partidos. Segundo o porta-voz dos deputados comunistas, Roland Muzeau, "uma lei não vai contribuir para fazer progredir os direitos das mulheres". Os socialistas, que boicotaram a votação, como tinham anunciado, declaram-se contra "uma lei de circunstância". O partido tem denunciado um debate "poluído pelo da identidade nacional".

"O que é ser francês?" Foi assim que o ministro da Imigração e da Identidade Nacional, Eric Besson, lançou o debate nacional da identidade, em Novembro. Membros da oposição e intelectuais perguntaram de volta: "É preciso definir o que é ser francês?". Para muitos, o Governo só quer cortar na imigração. Para alguns, o debate sobre o véu integral - que se convencionou chamar debate da burqa, apesar de apenas 367 mulheres usarem burqa em França, para além de mais umas 1500 que usam niqab - não tem objectivos assim tão diferentes.

Uma das propostas do documento ontem votado preconiza que "a insistência em usar o véu integral" seja "tida em conta nos pedidos de asilo".

Os líderes muçulmanos franceses não defendem nem o uso da burqa (que cobre o corpo e o rosto totalmente, com uma pequena rede diante dos olhos) nem do niqab (conjunto de três véus que cobre cabeça e rosto, com o terceiro, negro mas transparente, sobre os olhos) mas rejeitam uma lei que o proíba. O mesmo acontece com os líderes das outras comunidades religiosas. Uma das excepções é o imã Hassem Chalghoumi, da mesquita de Drancy, na região de Paris, que se tem pronunciado a favor da proibição - na noite de segunda-feira, 80 pessoas ameaçaram-no dentro da mesquita.

Ameaça à ordem pública?

Os membros da comissão defendem que a proibição de cobrir o rosto nos serviços e transportes públicos obrigaria "as pessoas não só a mostrarem o rosto à entrada de um serviço mas também a conservarem o rosto descoberto ao longo de toda a sua presença". A "consequência desta violação", sugere-se, "não será de natureza penal mas vai consistir numa recusa de conceder o serviço solicitado".

Para uma proibição total, os legisladores vão percorrer um caminho delicado. Qualquer medida que limite o exercício de uma liberdade fundamental pode acabar censurada no Conselho Constitucional francês ou no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. "Nada seria pior do que proclamar algo e vê-lo anulado pelo Conselho Constitucional", disse Eric Raoult, vice-presidente da comissão.

O relatório deixa uma pista legislativa "menos arriscada", sugerindo uma lei que proíba qualquer peça de roupa que tape o rosto em nome da ameaça à ordem pública. Uma opção que corresponde à proposta da UMP.

Este debate decorre em vários países europeus, a par de discussões sobre outros símbolos do islão no espaço público, como os minaretes, proibidos há dois meses por referendo na Suíça. Para além de França, que já proíbe qualquer véu (e símbolo religioso) nas escolas públicas desde 2004, metade das regiões alemãs adoptou leis a banir "peças de roupa controversas das escolas públicas", qualquer município belga pode proibir o véu integral no espaço público, enquanto na Holanda se debate a interdição nas escolas. Londres fez saber que "não partilha a posição da França".

Entre as propostas discutidas e rejeitadas pela comissão está a criação de uma "Escola Nacional de Estudos sobre o Islão" e "lançar um debate parlamentar sobre a islamofobia".

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