Na Eslováquia não há dúvidas: a extrema-direita é fascista e neonazi

Ao contrário do que acontece no resto da Europa, os grupos de extrema-direita na Eslováquia, que já ganharam representação parlamentar, não deixam espaço à dúvida em relação à sua ideologia neonazi.

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O grupo de extrema-direita Movimento do Renascimento Eslovaco, presta homenagem ao líder da Eslováquia durante a II Guerra Mundial que colaborou com a Alemanha nazi deportando milhares de judeus para os campos de concentração DR

“O dia em que vamos recuperar o controlo da nossa pátria está a chegar. Tal como os britânicos estão a festejar, o dia em que tomamos o poder será o dia da nossa independência. O ‘Brexit’ é só o início. Os sinos estão a dobrar pela União Europeia na sua actual forma”, afirmava Robert Svec, líder do grupo Movimento do Renascimento Eslovaco (em eslovaco, Slovenské Hnutie Obrody – SHO), em Junho do ano passado perante cerca de 500 pessoas numa manifestação no centro da capital da Eslováquia, Bratislava. Esta organização, considerada fascista e neonazi, tem aumentado a sua base de apoio e quer transformar-se num partido político para fazer companhia ao já existente partido de extrema-direita no Parlamento.

Até agora uma organização cívica, que glorifica e presta homenagem ao líder do tempo da Segunda Guerra Mundial, Jozef Tiso, o SHO conta neste momento com centenas de pessoas nos seus eventos por toda a Eslováquia, e pretende chegar à vida política nacional. No entanto, no Parlamento já existe um partido ideologicamente semelhante. Ou até igual.

Se por toda a Europa existe um sentimento de receio pelo crescimento da extrema-direita, muitos dos partidos que protagonizam esta ascensão, da Frente Nacional de Marine Le Pen em França ao holandês Geert Wilders, recusam a designação neonazi ou fascista, considerando esses qualificativos como exagerados. Há, no entanto, um país europeu onde a extrema-direita cresce, tal como em muitas outras partes do continente, mas onde se assinala uma diferença de fundo. É que no caso da Eslováquia não existem grandes dúvidas sobre a tendência e posicionamento neonazi destes grupos. Falamos então do SHO, de Robert Svec, e do partido A Nossa Eslováquia, liderado por Marian Kotleba. 

Miroslav Beblavy foi deputado e secretário de Estado do ministério eslovaco do Trabalho, Assuntos Sociais e Família pela União Cristã e Democrática Eslovaca, sendo actualmente coordenador do Centro Europeu de Estudos Políticos. Ao PÚBLICO, o especialista diz que “é justo” considerar estas duas organizações como fascistas e neonazis, afirmando que, em relação aos programas políticos, “os principais princípios aparentam ser similares”. Já Grigorij Meseznikov, presidente do Instituto de Assuntos Públicos eslovaco, diz que estes grupos, apesar de não serem os únicos, são “absolutamente semelhantes”. “São neofascistas, racistas, anti-semitas”, sendo que “não existem diferenças ideológicas” entre ambos, refere Meseznikov.

Em 2013, Kotleba surpreendeu tudo e todos ao ser eleito governador de Banská Bystrica, a maior das oito regiões eslovacas em área e a quinta em população, com quase 660 mil habitantes. O discurso assentava no ódio contra os judeus e a comunidade roma (cigana) da Eslováquia, que constitui cerca de 7% da população, sendo também um opositor feroz da NATO, que descreve como uma organização terrorista, e defendendo ainda o fim de qualquer negociação ou acordo com o Fundo Monetário Internacional. Em 2016, o partido subiu a parada e conquistou 8% dos votos nas eleições gerais, fazendo-se representar no Parlamento nacional pela primeira vez.

O antigo professor de escola secundária de 36 anos ficou conhecido por utilizar uniformes nazis em público e proferir declarações racistas, tendo sido detido e acusado várias vezes, mas nunca condenado. Esta vertente era especialmente explícita nos tempos em que liderava o partido neonazi Irmandade Eslovaca – entretanto ilegalizado pelo Ministério do Interior – e quando detinha uma loja de roupa chamada KKK Anglická moda (KKK Moda Inglesa, numa referência ao grupo racista Ku Klux Klan, dos EUA). Apesar de ter começado a esconder ou a actuar de forma mais discreta (deixou, por exemplo, de envergar os uniformes nazis), desde que ganhou assento parlamentar, assume-se profundamente cristão e admirador de Jozef Tiso, o padro católico que fundou e liderou a República Eslovaca durante a II Guerra Mundial e que colaborou com a Alemanha Nazi, deportando, por exemplo, milhares de judeus eslovacos para os campos da morte do regime de Adolf Hitler.

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Marcha liderada por Marian Kotleba (ao centro), envergando uniformes do tempo do Estado eslovaco fascista durante a II Guerra Mundial D.R.

E aqui poderá residir uma das principais diferenças entre o crescimento da extrema-direita eslovaca e no resto da Europa. “Na Eslováquia temos alguns factores específicos. Tivemos durante a II Guerra Mundial um autêntico regime fascista. A Eslováquia não foi ocupada pela Alemanha Nazi. Pelo menos durante a maior parte da guerra, a Eslováquia era um Estado independente e o regime era ainda mais duro, repressivo e anti-semita do que a Alemanha. A legislação adoptada era a mesma das leis anti-judeus de Nuremberga. Toda a população judaica foi deportada para campos da morte pelo regime eslovaco. Tentaram colaborar com o regime nazi e deportaram os judeus na Eslováquia para os campos na Polónia”, explica Meseznikov em conversa telefónica com o PÚBLICO. E é nesse contexto que o partido baseia a sua actuação política.

Os uniformes anteriormente utilizados por Kotleba eram da Hlinka Guard, a milícia paramilitar deste Estado eslovaco na II Guerra Mundial. Ou seja, a ideologia neonazi é inerente quer ao partido de Kotleba como ao SHO de Svec. E talvez em parte nenhuma da Europa haja organizações de extrema-direita em crescimento tão explicitamente neonazis como na Eslováquia. A excepção, porventura, será o partido grego Aurora Dourada, com 17 lugares no Parlamento helénico, que nunca escondeu a inspiração hitleriana. 

O Movimento do Renascimento Eslovaco: de movimento cívico a ameaça política

O Movimento do Renascimento Eslovaco (SHO), como dizem os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, é em tudo semelhantes ao partido liderado por Marian Kotleba. A inspiração que está na base de tudo é a mesma: Joszef Tiso. O New York Times acompanhou uma homenagem que a organização fez junto ao monumento que lembra o líder eslovaco aliado de Hitler. De cabeça inclinada, com o semblante fechado, Robert Svec coloca uma coroa de flores nos pés da estátua de Tiso. “Tu és nosso e nós seremos para sempre teu”, declarou Svec, dirigindo-se ao monumento, numa altura em que se dedica a reabilitar a imagem do antigo padre que foi enforcado em 1947, depois de terminado o conflito na Europa, relata o New York Times.

A organização tenta agora iniciar o processo de transformação para partido político. No entanto, Miroslav Beblavy diz que o SHO “não é ainda relevante na esfera política da Eslováquia”.

“Uma vez que estes grupos são parcialmente clandestinos e comunicam através das suas próprias bolhas nas redes sociais, é difícil avaliar com precisão” as verdadeiras potencialidades políticas de Robert Svec, declara o político e analista.

Comparando o SHO com a A Nossa Eslováquia de Kotleba, Grigorij Meseznikov diz que os primeiros são “mais intelectuais” e que Svec é “mais sofisticado do que Kotleba” o que faz com que o SHO tenha “um maior dinamismo” e que alguns dos seus membros sejam “educados".

"Alguns são historiadores. Apresentam-se como uma forma intelectual de conservadorismo de direita para um Eslováquia moderna”, não se intitulando “naturalmente, como fascistas”, explica o analista.

“Alegadamente existem algumas dezenas de membros. Mas têm organizado eventos nacionais, como manifestações em Bratislava, fingindo ser uma organização à escala nacional”, continua Meseznikov. No entanto, refere, o “partido de Kotleba é mais forte, porque é um partido real, tem representação em todas as regiões e está no Parlamento".

"Tiveram mais de 200 mil votos nas últimas eleições”, assinala Meseznikov.

Apesar de tudo, existe um factor que pode ser prejudicial a ambos, até porque os líderes dos dois grupos têm alguns problemas entre eles, explica o presidente do Instituto de Assuntos Públicos da Eslováquia. E se de facto o SHO pretender tornar-se num partido político, pode acontecer que os dois movimentos comecem “a competir pelo mesmo eleitorado”. “Em relação ao partido de Kotleba, alguns analistas pensam que este pode ser um fenómeno isolado e que, no final, o partido acabe por desaparecer”, continua.

Por sua vez, Beblavy diz que a influência política, principalmente de Kotleba, não é ainda evidente, mas os restantes partidos estabeleceram uma espécie de “cordão sanitário” em relação a este partido. Até porque, e apesar de tudo, “eles são perigosos”, refere o antigo deputado.

As razões do crescimento

Os factores que levaram ao crescimento destas organizações, iminentemente fascistas e neonazis, são aparentemente semelhantes àqueles vividos no resto da Europa. “Não é uma razão única, mas uma combinação entre a perda da credibilidade moral dos partidos mainstream, as grandes e crescentes diferenças regionais que deixam muitas pessoas para trás em relação ao aumento da prosperidade, e ainda os esforços ocultos da Rússia”, identifica Beblavy.

Meseznikov também aponta para vários “grupos de factores” para explicar esta situação. “Em primeiro lugar, a evidente existência de problemas sociais e a incapacidade dos partidos mainstream em lidar com estas questões”. Especificamente, “há alguns problemas notórios como as questões com a comunidade roma (cigana) e que o Estado não foi muito eficiente em resolver”, refere, acrescentando que algumas das explicações para a popularidade da extrema-direita não estão “directamente ligadas com as questões sociais, mas sim com algum legado do passado”, tal como do Estado fascista eslovaco durante o período nazi. Para além de tudo isto, existem também “algumas tendências que chegam do exterior”, como por exemplo as questões relacionadas com a imigração. “Nós quase não temos imigrantes, mas a percepção que existe é que a União Europeia está inundada por imigrantes e que estes grupos defendem a preservação da Europa como uma entidade cristã”, analisa Grigorij Meseznikov.

De facto, os problemas políticos, e a alteração do contexto de governação e de ideologias na Eslováquia, podem ser explicados por questões de percepção. “Se os problemas sociais persistirem, e se os partidos mainstream continuarem a ser incapazes de os solucionar, o eleitorado da extrema-direita pode aumentar”, diz Meseznikov. Porém, “normalmente, os movimentos fascistas ganham apoio especialmente através de situações caóticas e do colapso da economia”, afirma. Mas, no caso da Eslováquia, “o crescimento económico é bastante sólido, a situação social foi melhorada, graças à adesão à União Europeia. Estabilizámos o ambiente político, o que significa que tudo depende da percepção das pessoas”, aponta o analista ouvido pelo PÚBLICO. “As pessoas estão desapontadas com estes problemas, mas estes problemas não são assim tão grandes”, conclui, explicando que, por isso, “é crucial para a democracia que os partidos do poder comecem a funcionar não apenas no campo fiscal mas também na percepção".

"Têm de persuadir a população de que a democracia ainda é o melhor modelo para o país”, conclui.

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