Peniche avança com petição para travar petróleo

O movimento Peniche Livre de Petróleo quer levar as preocupações até à Assembleia da República e pede ao Governo que trave a concessão na zona da Bacia de Peniche.

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A aposta no petróleo é um investimento "no fim da linha" e pode acabar com a região, dizem especialistas João Henriques/Arquivo

Os contratos em causa não são deste ano, mas tem sido durante os últimos meses que as polémicas se têm tornado cada vez maiores e com mais mobilização social. Um pouco por todo o território, e com especial ênfase no Oeste e Sul do país, os últimos tempos têm sido marcados por movimentos contra a exploração de petróleo e gás em Portugal. No Algarve, a mobilização cidadã assistiu – pelo menos e para já -, ao adiamento dos furos já agendados. Peniche quer seguir-lhe a inspiração e continua a onda de sensibilização para tentar travar as concessões da zona, lançando, este domingo, uma petição pública, na reserva da biosfera das Berlengas.

No total, estão concessionadas 11 áreas espalhadas por todo o litoral português, na zona do Algarve, Alentejo, Peniche e até à Figueira da Foz e em cinco áreas no interior (Aljezur, Tavira, Batalha, Pombal e a aparentemente abandonada concessão do Barreiro), conta o engenheiro do ambiente, João Camargo, co-fundador do movimento Peniche Livre de Petróleo. Camargo destaca que “os adiamentos [no Algarve] não são o fim de nada”. “ Há um machado pendente sobre a cabeça, basta as empresas dizerem que sim”, sintetiza, em conversa com o PÚBLICO, criticando fortemente a opacidade de vários contratos e a indisponibilidade de estudos de impacto ambiental para consulta pública.

Para os representantes do Peniche Livre de Petróleo, a possibilidade de exploração petrolífera tem um preço ambiental e económico demasiado elevado. “A produção de petróleo e gás natural acaba rápido. Depois do período de extracção estas empresas vão embora e o local transforma-se num cemitério de petróleo”, afirma Ricardo Vicente, engenheiro agrónomo e um dos fundadores do movimento. “Se ficarmos desprovidos de património natural, ficamos sem economia local”, analisa com preocupação. Além disso, João Camargo questiona a vantagem económica da exploração em território português, uma vez que primeiro seriam recuperados os custos de pesquisa e desenvolvimento, assim como os custos operacionais de produção, o que no limite, poderia resultar num lucro zero para o Estado português.

Agora, depois de ter desenvolvido as primeiras acções de sensibilização junto da população de Peniche, o movimento organiza uma petição pelo cancelamento dos contratos de prospecção e produção de petróleo na Bacia de Peniche e na Bacia Lusitânica. No texto da petição que começa a circular este domingo, o grupo pede à Assembleia da República que avance com “as acções necessárias” para cancelar os contratos de prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo”, localizadas “ao longo de toda a faixa litoral, entre Lisboa e Porto”.

O momento é simbolicamente assinado na Ilha das Berlengas. A escolha foi pensada. “As Berlengas são um local bastante acarinhado pela população, mas são também uma reserva mundial da biofesfera reconhecida pela UNESCO”, justifica Ricardo Vicente. “A escolha recai no facto de ser um local simbólico e não por ser o único em perigo, porque não o é exclusivamente. O impacto ambiental estende-se a uma área muito maior e é não só ambiental, mas económico e social”, sublinha.

Para o movimento, “Portugal deve dar total prioridade à produção de energias renováveis, uma vez que é um dos países europeus com maior potencial. Investir no petróleo é apostar num caminho que está no fim da linha”, insiste Ricardo Vicente.

Também a Quercus se solidariza com movimento e marca oposição “a esta irresponsabilidade”. Ao PÚBLICO, Nuno Sequeira, membro da associação ambientalista, argumenta que a continuidade dos projectos teria consequências “dramáticas” do ponto de vista económico. “É completamente errado. Ao optar por um caminho deste género o país esta a ir contra as linhas que subscreveu na Cimeira do Clima COP-21”, observa o ambientalista. Além disso, “não é compatível termos uma região de turismo de excelência, quer estejamos a falar do Algarve ou de Peniche, que tenha na sua costa este tipo de intervenções”.

Para Nuno Sequeira, “seria muito importante que os concelhos da zona Oeste tomassem posições que salvaguardassem o interesse da região”. “Há uma herança pesada do anterior governo que vincula o actual com uma série de concessões, mas este governo tem de ser muito firme para que estes contratos sejam rescindidos. Tendo em conta todo o debate, a oposição das populações, o Governo deve escutar estas preocupações”, conclui.

Ao PÚBLICO, o presidente da Câmara Municipal de Peniche, disse não ter ainda uma “posição objectiva sobre a questão da exploração de petróleo. "No nosso entender não existe ainda uma situação a assinalar, uma vez o que está em causa até agora são apenas estudos de prospecção”. Em resposta, o presidente da câmara destaca “todo o trabalho que a autarquia tem feito a nível de questões de sustentabilidade ambiental” e exemplifica com a “Magna Carta do desenvolvimento futuro de Peniche”, um documento com mais de três centenas de páginas, assinado em 2007, curiosamente o mesmo ano em que os contratos foram assinados 12 contratos de concessão de direitos de prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo, em terra (onshore) e no mar (offshore) que incluem a Bacia de Peniche.

“Não aceitamos lições de ninguém relativamente as questões ambientais porque temos vindo a trabalhar de forma séria para isto”, sublinha o autarca.

Ainda assim, o político eleito pela CDU está consciente da discussão que se tem formado nas últimas semanas e recorda que há 40 anos também ele foi uma das vozes críticas que contestou a construção da primeira central nuclear portuguesa, em Ferrel, Peniche. “Quando quiserem ser recebidos é só dizerem. Estamos disponíveis para participar em debates e receber o movimento e todos os interessados na discussão deste tema”, garante o autarca. “Esta questão da prospecção petrolífera já vem sendo abordada há muitos anos. Não é de agora. Devem ter andado distraídos durante muito tempo”, continua, referindo-se ao grupo.

O auatarca acrescenta ainda que a câmara definiu “os caminhos de sustentabilidade” que pretende e avança que “os órgãos municipais poderão ser chamados a tomar alguma posição” aquando uma possível decisão que determine o avanço para a exploração dos recursos.

A onda algarvia inspirou Peniche

A 12 de Agosto a Repsol confirmou que teria adiado a pesquisa de gás natural na costa algarvia, a 40 quilómetros de Tavira, prevista para Outubro depois da população local e de simpatizantes da causa se terem insurgido contra esta exploração. A onda de contestação atingiu uma dimensão nacional e a Assembleia da República acabou mesmo por votar a "suspensão imediata do desenvolvimento da exploração e extracção de petróleo e gás, convencional ou não-convencional, no Algarve", num projecto de resolução do Bloco de Esquerda (BE), e teve votos contra de PSD e CDS-PP. A Repsol juntou-se assim à ENI e à Galp que também já tinham adiado o furo de prospecção na Bacia do Alentejo, previsto para Julho. No entanto, João Camargo sublinha que esta é uma decisão temporária. Para que exista alguma acção e para que seja revertida a situação para lá de uma solução a curto prazo - conseguida com o adiamento dos furos - será necessário “mobilizar muito mais gente e deve estender-se ao resto do país”. 

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