LAHB Social saiu da ilha da Bela Vista após afastamento de fundador

Ao longo de meses avolumaram-se as queixas, que Fernando Matos Rodrigues recusa completamente.

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Matos Rodrigues (à esquerda) com o vereador Manuel Pizarro (ao centro) numa visita à ilha da Bela Vista Barbara Raquel Moreira

O antropólogo social Fernando Matos Rodrigues foi afastado do LAHB Social – Laboratório de Habitação Básica e Social criado para desenvolver e acompanhar, prioritariamente, a reabilitação da “ilha” da Bela Vista, no Porto, depois de uma série de queixas contra a sua actuação. Matos Rodrigues recusa as acusações e diz que se desligou de livre vontade do laboratório, mas não da Bela Vista. Como consequência, o LAHB Social já não está instalado, como era suposto, naquele local. O equipamento afecto àquela entidade foi retirado no Verão do ano passado da “ilha” e colocado no Instituto Superior de Serviço Social do Porto (ISSSP), onde funciona agora.

O termo LAHB Social ou “Laboratório de Habitação” há muito que era utilizado pelo antropólogo social Fernando Matos Rodrigues, com um longo trabalho desenvolvido em torno dos núcleos operários que cresceram no Porto em finais do século XIX, as chamadas “ilhas”. Contudo, foi apenas no âmbito da reabilitação da ilha camarária que aquela entidade foi formalmente constituída, mediante um protocolo entre a câmara e o ISSSP e visando “a promoção da habitação básica e a reabilitação de ilhas e bairros populares do Porto”, com especial preponderância para a Bela Vista.

Matos Rodrigues, como investigador convidado, e Berta Granja, pelo ISSSP, trabalharam no LAHB Social desde o início, mas desde Julho de 2015 que o antropólogo foi afastado, explica Berta Granja. “Ele foi uma pessoa muito importante no lançamento da ideia, esse mérito ninguém lhe tira, e no início as coisas começaram bem. Só que ele é muito mau gestor de equipas, muito inconsequente em termos de recursos, não sabe trabalhar em equipa e tivemos que tirar o laboratório dali, porque a situação estava insustentável”, diz a responsável do ISSSP, garantindo que a “participação dele no laboratório deixou de existir”.

O processo desenrolou-se ao longo de muitos meses, em que as queixas se foram acumulando – estagiários que diziam que lhes tinha sido prometido, pelo antropólogo, um contrato de trabalho que seria feito com a câmara ou o ISSSP; outros que se queixavam do uso abusivo de imagens por parte de Matos Rodrigues; uma factura de centenas de euros por despesas efectuadas por um restaurante para um jantar marcado pelo professor, alegadamente para moradores e responsáveis da câmara, e que não se chegou a realizar nem foi cancelado (e em que a proprietária chegou a ir pedir o reembolso à câmara); equipamento do LAHB Social que desapareceu. A ruptura aconteceu numa reunião do LAHB Social, a 1 de Julho de 2015, quando Berta Granja explicou aos estagiários, perante um enfurecido Matos Rodrigues, que não iria haver qualquer contrato de trabalho e que o LAHB Social continua a ser uma entidade protocolada entre a Câmara do Porto e o ISSSP.

Ao PÚBLICO, Matos Rodrigues nega todas as acusações e justifica de várias formas aquilo a que chama “miudezas de intoxicação”. O antropólogo social diz que “é mentira” que alguma vez tenha prometido contratos de trabalho e que o caso de restaurante só foi um problema porque os estagiários, a quem pedira para cancelar a marcação, não o fizeram. Garante que está a pagar a dívida e nega alguma vez ter dito que estariam elementos da câmara presentes. Quanto às restantes críticas, associa-as ao “oportunismo do instituto, que se apropriou de um trabalho com mais de 30 anos”. E as queixas dos estagiários decorrem de “eles não gostarem de ser criticados porque não cumpriam horários”.

Beatriz Hierro Lopes é uma das ex-colaboradoras do LAHB Social que garante que Matos Rodrigues lhe “prometeu um emprego, através da câmara”, assim que terminasse o período de trabalho gratuito que se disponibilizou a fazer, por estar a receber, na altura, subsídio de desemprego. “Prometeu-me isso a mim e outras pessoas e como víamos a câmara ligada ao laboratório, nunca nas passou pela cabeça que fosse um embuste”, disse. Luís Coelho, que participou no conjunto de três livros lançados sobre a ilha também fala em “promessas de pagamentos que não eram cumpridas” e recorda que teve que ir directamente à editora buscar os livros que lhe cabiam, uma vez que Matos Rodrigues continuava a adiar a entrega. Ana Ilina recorda quando ficou sem receber a verba devida por um estágio do Instituto de Emprego e Formação Profissional, porque o professor tinha gastado a verba de outra forma.

De novo, Matos Rodrigues nega tudo e aponta o dedo a quem quer apenas “bloquear” o processo – uma acusação que repetiu, amiúde, em e-mails enviados ao presidente da câmara e em qua aponta o dedo à empresa municipal Domus Social e ao vereador da Habitação, Manuel Pizarro. “O que se devia questionar é por que a obra está 30% mais cara sem necessidade e porque só podia concorrer uma empresa que tivesse feito habitação social nos últimos quatro anos”, diz.

A Câmara do Porto recusa comentar o processo, dizendo não ter qualquer relação formal com Matos Rodrigues. “A câmara nunca contratou directamente o professor Matos Rodrigues Contratou os serviços do ISSSP e é com o instituto que a câmara se relaciona. Sabemos apenas que ele já não colabora com o LAHB Social desde o ano passado”, diz a assessoria de imprensa do município. A mesma fonte confirma que a câmara foi abordada para pagar uma factura de um jantar marcado por Matos Rodrigues, mas que se limitou a dizer à proprietária do espaço que não tinha qualquer responsabilidade nesse assunto.

No Facebook, nasceu entretanto uma nova página, de Matos Rodrigues, com a designação LAHB – Laboratório de Habitação Básica Participada. Apesar de, para os mais distraídos, este poder parecer ainda o LAHB Social, não é verdade, confirma o próprio antropólogo. Este LAHB nada tem que ver com a Câmara do Porto ou o ISSSP, diz. 

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