Mil livros para aquecer os invernos em Pitões das Júnias

Iniciativa Um Livro Para Pitões pede aos portugueses apoio para a criação de uma biblioteca na aldeia com 150 habitantes.

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A aldeia de Pitões das Júnias está situada num planalto a mais de mil metros de altitude Nelson Garrido

Os habitantes da aldeia de Pitões das Júnias, em Montalegre, vão ter outros motivos para passar os frios invernos à lareira. A junta decidiu criar uma biblioteca nesta freguesia localizada a mais de mil metros de altitude, na franja oriental do Parque Nacional da Peneda-Gerês e ainda longe da sede do concelho. E, por estes dias, as prateleiras vão sendo preenchidas com livros enviados de vários pontos do país. A iniciativa Um Livro para Pitões, lançada por um apaixonado pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês, já começou a dar frutos e até gente da diáspora no Brasil manifestou vontade de contribuir.

Há quem envie um livro. Há quem envie uma pilha deles. E há quem envie saudades. Na página do Facebook criada por Rui Barbosa, um dos últimos testemunhos, partilhado pelo próprio, chegou do outro lado do Atlântico: “Olá! Amanhã, envio pelo correio este livro directamente de São Paulo. Segue em nome de minha mãe, Albertina do Miguel, filha de Pitões das Júnias, como meus avós, bisavós, tios, tias e alguns primos. Quando disse a minha mãe que o enviaria, em seu nome, ficou embaraçada e disse: 'Não faças isso, nem sei ler e ainda se riem de mim.' Muito feliz em poder participar e partilhar desta iniciativa. Esperamos que agrade às crianças. Nas minhas próximas férias, levarei muitos outros e os entregarei pessoalmente. Parabéns por nos lançar esse desafio!”

Numa freguesia rural, envelhecida, e afastada da sede do concelho, não são muito fortes os hábitos de leitura dos cerca de 150 habitantes de Pitões. Mas agora há livros a chegar pelo correio – como O Menino que não gostava de ler, de Susana Tamaro - e muitos outros entregues em mãos, na Junta, ou no pólo local do Eco-Museu do Barroso. E o contacto de Rui Barbosa neste espaço, Kátia Pereira, acredita que a iniciativa vai ajudar a mudar algo na comunidade, seja entre as 15 a 20 crianças e adolescentes, que como muitos na sua geração se prendem mais facilmente às novas tecnologias, seja entre os mais velhos a quem a vida nunca deu grande tempo para os livros.

“Isto é muito bonito”, diz, ainda surpreendida, Kátia Pereira. “Há dias um casal de emigrantes que agora passa o Verão connosco perguntava-me se poderia levar um livro para França, e devolvê-lo no regresso”, conta esta dirigente da Associação de Desenvolvimento de Pitões, co-organizadora, com a Junta, do Fiadeiro de Contos que anima algumas noites de Agosto nesta aldeia de montanha conhecida pela belíssima ruína do mosteiro beneditino de Santa Maria das Júnias. Foi depois de participar no último Fiadeiro que Rui Barbosa decidiu colaborar, lançando um desafio nas redes sociais.

“Na última edição do Fiadeiro de Contos, tive conhecimento de que havia a intenção da Junta de Pitões de criar uma biblioteca. Mas como sabemos que hoje em dia é difícil conseguir montar um espaço assim, e conseguir rapidamente os livros, surgiu a ideia de criar a página de Facebook” para apelar à doação. Não se esgotando em nenhum número mágico, a iniciativa Um Livro para Pitões tem como objectivo angariar mil livros até ao Natal. “Será uma prenda para as gentes de Pitões das Júnias”, explica ao PÚBLICO este optometrista de 45 anos. 

Pitões das Júnias “é um pólo cultural muito importante naquela zona” e, por isso, faz todo o sentido reunir um espólio que seja "suficiente e útil" para os seus habitantes, assinala Rui Barbosa. Ao longo do ano, a aldeia acolhe vários eventos culturais, como as Jornadas das Letras Galego-Portuguesas, que, como o Fiadeiro de Contos, recuperam a tradição e a cultura local, além da celebração do Entrudo que leva centenas de pessoas a Pitões. Segundo Kátia Pereira, a ideia de abrir uma biblioteca partiu do dramaturgo Abel Neves, “que tem casa na aldeia”. E não foi difícil encontrar um pequeno espaço para dar corpo ao desafio do autor de Além As Estrelas São a Nossa Casa.  

Habituado a dormir sob as estrelas, nas múltiplas caminhadas que fazem dele um profundo conhecedor do PNPG, Rui Barbosa apaixonou-se, como muitos, por aquela aldeia no Planalto da Mourela.  Depois de ter publicado, em 2013, Minas dos Carris – Histórias Mineiras na Serra do Gerês, o resultado de uma investigação de mais de sete anos que reúne centenas de fotografias de época e factos históricos sobre o complexo de exploração de volfrâmio no parque nacional, este bracarense que trabalha em Bragança lançou-se neste outro projecto. E agora espera que muitos dos mais de mil seguidores da página de Facebook da iniciativa o acompanhem. Enviando livros para Pitões.  

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