Dez anos e 400 milhões de euros depois, a Linha Vermelha do Metro do Porto perdeu clientes

A linha que revolucionou o canal entre o Porto e a Póvoa custou tanto quanto o aeroporto Sá Carneiro, se lhe acrescentarmos o custo com material circulante próprio. O serviço melhorou, mas tem dificuldade em ganhar clientes ao transporte individual.

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Luís Efigénio

Já passou uma década? A surpresa do ex-presidente da Câmara da Póvoa de Varzim, Macedo Vieira, mostra como o tempo nos ultrapassa correndo, neste caso de metro, pela Linha da Póvoa. Foi a 18 de Março de 2006 que o novo meio de transporte da área metropolitana tomou o lugar do velhinho comboio de mais de um século. Não sem crítica, não sem percalços, não sem correcções. O metro mudou a face deste canal que liga o Porto à Póvoa, mas os 325,2 milhões de euros que, segundo a Metro do Porto, foram ali investidos, mais os 116 milhões pagos pelos veículos tram-train, ainda não se repercutiram num ganho de clientes evidente, e estes até são menos, hoje, do que eram no segundo ano de operação.

Cerca de 2,5 milhões de passageiros utilizaram a linha da Póvoa em 2015. O número, que estatisticamente é contabilizado através das validações do Andante à entrada das estações desta “antena” da rede, entre a Póvoa e a Senhora da Hora pode ser duplicado, tendo em conta que, numa linha suburbana como esta, o normal é que noutro momento do dia, e noutro ponto da rede, as mesmas pessoas tenham apanhado o metro de regresso a casa. Mas face ao volume de investimento, e à expectativa gerada, estes valores deixam a desejar. Numa década, a procura registou altos e baixos, e os dados actuais estão aquém do verificado nos dois primeiros anos.

O primeiro tombo na procura, grande, verificou-se logo em 2009. Desconhecem-se razões objectivas, mas o certo é que o serviço inaugurado a 18 de Março de 2006 estava longe de ser o que hoje é oferecido. Perante os protestos, após o anúncio de tempos de viagem superiores aos do comboio, a Metro já tinha conseguido duplicar a linha, que no projecto inicial se mantinha em via única, como sempre fora. Mas a proliferação de paragens, de 13 para 30, no histórico percurso entre a Póvoa e a Trindade, a velocidade comercial e a falta de capacidade, em número de passageiros, dos veículos escolhidos para o metro ligeiro de superfície, faziam o novo meio de transporte corar de vergonha perante o seu antecessor. Mesmo com uma duplicação de frequência das viagens.

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Para minimizar as disparidades, logo na inauguração era oferecido um serviço “expresso”, com meia dúzia de paragens, a alternar com serviços a parar em todo o lado e a conseguir, desta maneira, um tempo mais competitivo que os 57 minutos (Porto-Trindade) das automotoras a diesel que acabaram vendidas pela CP para a Argentina. Mesmo assim, os veículos usados revelavam-se desadequados, pelo menor número de lugares sentados e capacidade total, que tornava quase impraticável uma viagem nas horas de ponta, principalmente de manhã, quando ninguém quer chegar atrasado ao trabalho. Houve relatos de desmaios, discussões. A caixa de correio das queixas no metro enchia.

A discussão vinha já dos anos anteriores, e acentuou-se após o encerramento da linha de comboio, em 2002, para o início das obras. Remetidas para um transporte alternativo, desconfiadas com as vantagens do que por aí vinha, os clientes reagiram, formando a Comissão de Utentes da Linha da Póvoa (CULP), que tinha como um dos porta-vozes Armando Herculano, vila-condense com formação na área da Engenharia Electrónica e um estudioso da tracção eléctrica. Com este feed-back, os autarcas, como Mário de Almeida, que então presidia à Câmara de Vila do Conde e estava na administração da Metro do Porto, e Macedo Vieira, da Póvoa de varzim, foram dando conta de alguns erros e apoiaram o presidente executivo da empresa nos esforços para convencer os governos a financiar os custos adicionais necessários para os corrigir. Que não foram poucos.

A obra encareceu, muito, com a duplicação e as necessárias expropriações, com eliminação de passagens de nível e construção de alguns viadutos e, a seguir, com a assunção de que seria necessário comprar veículos especiais, um híbrido entre o metro ligeiro e um comboio, para conseguir maiores velocidades e maior capacidade de carga nesta operação suburbana de 23 Km entre a Póvoa e a Senhora da Hora, mas que, para muitos utilizadores, implicava percorrer 33 km, ou mais, para chegar ao centro do Porto. Os tram-train, como são chamados, custaram mais 116 milhões. Chegaram a estar prometidos para 2008, mas só começaram a ser usados nos percursos para a Póvoa e Para a Maia, em 2010, aumentando de sobremaneira o conforto de quem faz diariamente estas viagens. Mesmo que não tenham casas de banho, uma das reivindicações da CULP que não foi alcançada.

Outra das críticas dos utentes era o preço das viagens. Com o metro chegou o tarifário multimodal Andante, e novos preços, bastante superiores aos do comboio. Dos 29,5 euros do passe nos alternativos, os utilizadores passaram a pagar 48,5 euros por um título mensal Andante Gold de seis zonas (entre a Póvoa e o centro do porto) e por uma intermodalidade que, insiste ainda hoje Armando Herculano, muitos não usam. Quem necessitar pode viajar, sem sobrecustos, nos autocarros da STCP no Porto, mas a inexistência de um passe monomodal, mais barato, para quem apenas use o metropolitano é, considera, um entrave à adesão de mais utilizadores. E a isto acresce, nota, que no extremo norte, na Póvoa e Vila do Conde, não há ainda carreiras de transporte rodoviário integradas no sistema intermodal.

Subidas e quedas
Nos dois primeiros anos desta linha a procura aumentou, antes de cair em 2009, para voltar a aumentar a seguir. Em 2010, um facto externo, a introdução de portagens na A28, faz muita gente pensar duas vezes e o metro volta a ganhar. Mas no afã para melhorar os resultados operacionais das empresas de transporte, tendo em perspectiva a sua concessão, o Governo de Passos Coelho, pressionado pela troika, haveria de aprovar, em Agosto de 2011 e no início de 2012 aumentos que fizeram disparar o custo com as deslocações em transporte Público. 2012 foi o primeiro ano em que, no total da rede, a Metro do Porto perdeu passageiros. Mas menos, em percentagem, do que a Linha Vermelha, que, com o passe mais caro a chegar aos 65 euros, caiu uns estrondosos 6,1% e que ainda não regressou, sequer, aos seus melhores números anuais, os de 2008.

Armando Herculano é por isso muito crítico das opções tomadas, que o levam a insistir que teria sido muito mais acertado a execução da outra hipótese que chegou, na década de 90, a estar em cima da mesa. Alguns especialistas propunham a articulação entre um serviço suburbano de comboio, entre a Póvoa e a Senhora da Hora, que, com transbordo, passaria a ser o local de interface com a rede de metro propriamente dita. Esta tese não teve acolhimento e à opção pelo metropolitano acrescentaram-se as estações. Boa parte das quais, como se percebe nos gráficos, representam tempo de paragem e acrescentam muito pouco em termos de utilizadores.

Este é, para o autarca Macedo Vieira, um pecado da linha. Se fosse hoje, o antigo presidente da Câmara da Póvoa lutaria por menos paragens, ao mesmo tempo que insistiria na abertura de uma outra, já prevista e já negociada, mas nunca concretizada, junto ao muito concorrido Style Outlet, de Vila do Conde, conhecido por Nassica. Ali, segundo a Câmara de Vila do Conde trabalham duas mil pessoas. Para ali deslocam-se milhares de clientes, principalmente ao fim-de-semana. E não há metro que os sirva, apesar de a linha estar a metros deste imenso espaço comercial. O município de Vila do Conde espera que este pequeno investimento venha a acontecer. Mário Almeida, que o tentou levar a cabo, nos cargos que desempenhou, acredita que ele é não apenas inevitável, mas obrigatório. Pelo serviço que prestará, mas também pelo impacto que terá na própria utilização da linha, que gostava que fosse maior.

O antigo autarca considera que o metro trouxe uma revolução urbanística aos dois concelhos mais a norte da área metropolitana. Admite que o serviço possa ser melhorado, e espera, como o actual executivo local, que se consiga brevemente construir o interface da estação de Vila do Conde, onde falta estacionamento. Tal como Macedo Vieira, Almeida espera também que se consiga concluir a ligação rodoviária entre os dois concelhos que nasceu, à boleia das obras de reabilitação urbana, ao lado do canal do metro, mas está cortada, num curto troço já na Póvoa. Apesar de tudo isto, e de outras pequenas obras que não chegaram a ser feitas, o projecto anda “entre o muito positivo” do vila-condense, e o “extraordinário” do poveiro.

Os números esses, são o que são, e Macedo Vieira defende que seria preciso coragem política para tomar decisões difíceis como a supressão de algumas paragens, mesmo nas zonas urbanas dos dois concelhos. Porque, para além de um combate contra o tempo, o da viagem, neste caso, o metro tem, segundo este médico, uma outra luta a travar. Uma luta contra a “mentalidade nacional, que, salvo em zonas urbanas densas, como Lisboa ou Porto, resiste a usar o transporte público”. Um serviço que custou ao país cerca de 400 milhões, se imputarmos parte dos custos dos tram-train à Linha para a Maia, onde são também usados. Ou seja, a remodelação da antiga via férrea, onde viajam por ano, 5 milhões de pessoas, custou tanto quando o aeroporto Francisco Sá Carneiro, inaugurado em 2004 debaixo de um coro de críticas ao “despesismo” que, neste caso, entretanto se calou. 

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