O Alma de África UD também é mais que um clube

Na Andaluzia existe uma equipa de futebol formada quase só por imigrantes africanos

Foto
O Alma de África assegurou a subida de escalão logo na primeira temporada DR

“Més que un club” é catalão para “mais que um clube”, lema do FC Barcelona para demonstrar o seu compromisso com a Catalunha, de que é um dos seus maiores símbolos. Mais que um clube é também o Alma de África Unión Deportiva, mas não é por ser símbolo de uma região ou uma potência futebolística de nível mundial. Paga uns simbólicos cinco euros por jogo a cada um dos seus jogadores, quase todos eles imigrantes de países africanos que foram parar a Jeréz de la Frontera, cidade da Andaluzia perto da costa mediterrânica. O que os levou até lá não foi o sonho do futebol, mas foi o futebol que os fez ficar, porque, para muitos, é a coisa mais real que têm.

O Alma de África UD é uma equipa federada que compete numa divisão muito secundária da Andaluzia, mas isso não é o mais importante. É um projecto com bastantes semelhanças ao que também existe em Itália, o Koa Bosco, em que o principal objectivo é a integração de imigrantes, através do futebol, na comunidade que os acolhe. Vieram dos Camarões, Senegal, Marrocos. Nigéria, Guiné-Bissau, há um que nasceu na Bolívia, e há cinco espanhóis que também fazem parte da equipa. Alguns vieram de avião, mas nesta equipa há muitos que arriscaram a vida em travessias marítimas em botes ou que escaparam aos controlos de fronteira pendurados num camião.

A história do Alma de África começa em 2015. Quini Rodriguez, um enfermeiro de Jeréz, andava a passear o cão e começa a reparar num grupo de homens africanos que jogava futebol todos os domingos num descampado, mas que também passavam muito tempo a discutir. Rodriguez aproximou-se deles, meteu conversa e, 15 dias depois, voltou com um amigo ex-futebolista para servir de árbitro. Esse amigo era Alejandro Rodríguez, que acabaria por se tornar presidente do Alma de África. Quando viu que havia algum talento naquele grupo, avançou com a ideia de fundar um clube.

Garantiu junto da Real Federação Espanhola que não havia limite de estrangeiros para competir num campeonato amador e que bastava que os jogadores terem um passaporte. “Estavam entusiasmados, diziam que era o dia mais feliz das suas vidas”, conta ao jornal “Marca” o agora presidente do Alma de África. Começaram na quarta divisão regional da Andaluzia, o escalão mais baixo, e conseguiram a promoção logo à primeira. É um feito notável para um grupo de jogadores que nunca tinha jogado como equipa e que se esforça para treinar e jogar sem que isso os ajude a ganhar a vida – cinco euros e uma refeição em dia de jogo é tudo o que ganham.

Pedro Semedo é a conexão portuguesa ao Alma de África. Aos 30 anos, Semedo é um dos mais velhos do grupo e já está há vários anos em Espanha. Em 1998, tinha 12 anos, fugiu da Guiné-Bissau, com a família, dentro de um contentor de um barco que tinha Dakar como destino. Da capital senegalesa, Semedo, adepto do Benfica e do Barcelona, viajou para Portugal, e de Portugal foi parar a Cádiz, onde é professor de dança e extremo do Alma de África.

A história de Semedo é menos dramática que a de alguns dos seus colegas de equipa, como Jaouad Zamahna, que fez a travessia de Marrocos para Espanha pendurado na parte de baixo de um camião mesmo sabendo que alguns amigos morreram a tentar o mesmo. Ou Kameni, um ex-pugilista camaronês ~que tentou seis vezes chegar a Melila, cidade espanhola no norte de África, a nado, com a câmara-de-ar de um pneu de automóvel. Kameni é defesa, capitão de equipa e vice-presidente do clube, está desempregado, vive de biscates, mas não se sente abandonado. “Quando cheguei a Jeréz”, conta Kameni à “Marca”, “estava sozinho, sozinho, sozinho…”. “Agora, tenho muita gente com quem falar, tenho uma família grande e já não estou só.”

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

Sugerir correcção
Comentar