FC Porto recua três décadas em busca das sensações de Viena

Primeira conquista europeia foi há precisamente 30 anos, cápsula temporal que transformou os heróis do Prater em guardiões das memórias do templo "azul e branco".

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Os “heróis” de Viena celebram hoje três décadas desde que o FC Porto tomou de assalto a Europa futebolística, rompendo fronteiras e transformando-se, num hiato de 20 anos, num dos emblemas mais titulados no Velho Continente, verdadeiro recordista de presenças entre a nata dos campeões, contribuindo de forma indelével para a emancipação internacional do clube e da cidade.

A efeméride coincide, contudo, com um dos piores ciclos dos “dragões”, sem conquistas relevantes nos últimos quatro anos. Nesse sentido, o trigésimo aniversário da vitória na Taça dos Campeões Europeus oferece uma oportunidade para uma reflexão mais profunda, em busca de explicações para o actual estado do FC Porto, que procura recuperar o espírito e a mística de Viena. 

Uma mística que remonta aos tempos em que a Taça dos Campeões era mera miragem, mas que Madjer, Juary, Futre e companhia — nomes maiores do feito histórico alcançado pelos “dragões” — tornaram realidade incontornável. São figuras como estas que vão recebendo e passando o testemunho, continuando a empunhar a bandeira debruada a ouro nessa noite do Prater. Uma noite memorável, que começou com o revés traduzido pelo golo do Bayern Munique (Ludwig Kogl, aos 24’) mas que, num par de minutos, se transformou num triunfo surpreendente — Madjer marcou aos 77’ e Juary aos 79’. 

Um marco portista, um momento mágico para quem o experienciou. Por dentro ou por fora. As comparações com a Champions conquistada por José Mourinho — proeza que acaba de cumprir 13 anos — tendem a tornar-se ingratas, um pouco à imagem das tentativas de transportar para os dias de hoje o génio de Eusébio ou de Pelé. Ainda assim, percebe-se que não há amor como o primeiro, mesmo para quem participou intensamente tanto na vitória de 1987 como na de 2004.

Tudo somado, Viena tem outro encanto e é a essa valsa inesquecível que a família portista brindará nesta comemoração, mesmo que o tempo tenha transformado os campeões da altura em guardiões do templo. Os relatos e testemunhos, a obsessão do “capitão” João Pinto pelo troféu, que protegeu como a uma cria, são fragmentos que formam o puzzle gigante do imaginário “azul e branco”.

“Algo de transcendental”

Um quadro rico em personagens, no qual convivem “monstros sagrados” com algumas figuras de menor relevo, quase anónimas, deste enredo, mas inegavelmente ligadas a uma história que recordam sem esforço.

Para Toninho Cruz, há vários anos ligado ao scouting do Manchester United em Portugal, a Taça dos Campeões foi uma oportunidade para entrar na convocatória da última deslocação do campeonato. “O Artur Jorge decidiu poupar alguns dos titulares e chamou dois juniores para o jogo de Faro. Infelizmente, não cheguei a estrear-me. Mas recordo-me bem dos treinos com a equipa principal, que eram de uma intensidade incrível, o que explica o nível atingido pelo FC Porto. Aliás, o Gomes lesiona-se gravemente num treino com os juniores”, lembra ao PÚBLICO o antigo médio, que aos 18 anos viveu a conquista marginalmente, mas com uma emoção indescritível.

“Obviamente que não tenho qualquer participação nesse feito. Dizer o contrário não me ficava muito bem. Mas foram momentos marcantes”, revela, indicando Festas, o benjamim da companhia, como a pessoa mais indicada para dar uma perspectiva mais próxima.

Toninho Cruz referia-se ao central loiro que foi chamado a todas as eliminatórias com excepção da segunda, com o Vítkovice. João Festas vivia um sonho, ainda que na pele de espectador privilegiado, com lugar cativo no banco de Artur Jorge, mesmo sem ter actuado um único minuto na Europa (era suplente de Celso e Eduardo Luís).

“As pessoas podem não perceber, mas a chegada ao Porto, às quatro horas da madrugada, aquela recepção à equipa, engolida por um mar de gente, foi de uma dimensão que poucos terão plena consciência. Da Via Norte às Antas não cabia mais ninguém. Portistas, adeptos de outros clubes, pessoas que nem sequer ligavam ao futebol, foi algo de transcendental. Um ponto de viragem num país que estava arredado dos grandes palcos internacionais”, sustenta a “mascote”, então com 19 anos, que o grupo acarinhou desde a primeira hora.

“Lembro-me de um balneário unido, protector, onde havia um tempo para trabalhar mas também espaço para as brincadeiras e partidas da praxe, a que até o Madjer se converteu, apesar das diferenças culturais e religiosas”, recorda Festas, feliz por mais uma oportunidade de testemunhar o impacto daquela taça no historial do FC Porto.

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