Um punk na América de Trump

Descobriu o punk nos anos 1990 quando a subcultura chegou às massas. Muitos partiram, mas Jeff Rosenstock ficou: a energia criativa do punk nunca foi tão necessária. A resistência deu-nos Worry.

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Andy Johnson

Jeff Rosenstock ainda se reabitua à confusão de Brooklyn, Nova Iorque, quando nos atende a chamada. “Passei uma semana nas montanhas – um amigo tem uma casa lá –, a passear na neve”, conta. “Este é o primeiro dia de regresso à cidade – há sirenes por todo o lado, camiões, música aos berros a sair dos carros... Oh sim, estou de volta!”

Enfiou-se nas montanhas um dia depois de se juntar, com a mulher, às 500 mil pessoas que fizeram da Marcha das Mulheres, em Washington, o primeiro sinal de resistência colectiva ao Presidente Donald Trump. “Em vez de me enfiar cada vez mais num buraco – olhar para a internet e ler tantas histórias loucas – isto permitiu-me pensar. Tentei fugir de tudo isso.”

Quando fez Worry., maravilhoso disco com o potencial de levar o pop-punk aos círculos indie, Trump era apenas uma remota ameaça. “Assim que ele conseguiu a nomeação [presidencial republicana], senti que ia acontecer isto, mas diziam-nos sempre que não havia hipótese alguma. Talvez as pessoas tenham aprendido uma lição sobre a importância de defender as coisas em que acreditam, não só quando acham que têm que o fazer, mas sempre.”

Jeff pode dizê-lo. Pouco depois da explosão punk dos anos 1990 – em que os Green Day e os Offspring tomaram conta da MTV –, estava a dar concertos nas traseiras da casa dos pais, em Long Island, Nova Iorque, e noutros sítios fora dos radares com os The Arrogant Sons of Bitches. Nas suas canções ska-punk, ironizavam sobre matar presidentes, elogiavam a piza, gozavam com as estrelas rock. “Mal éramos uma banda, éramos apenas amigos na brincadeira nas caves uns dos outros”, descreve.

Elevou a parada com os Bomb the Music Industry!. O colectivo, nascido em 2004, levou o do it yourself (DIY), o faz tu mesmo, do punk a níveis quase inéditos. Jeff irritava-se quando lia gente a dizer que o DIY morrera com os Fugazi. “Hoje”, argumenta, “há mais oportunidades para uma banda fazer o que quer”.

Eles fizeram. “Durante algum tempo nem tínhamos t-shirts: trazias uma t-shirt e fazíamos-te uma t-shirt. Trazias um CD e fazíamos-te um CD. Era assim, não vendíamos nada. As pessoas faziam doações”, conta. Os instintos democráticos chegavam ao ponto de estimular o público a levar instrumentos para que participasse no concerto. “Tocámos um concerto inteiro com um baterista com quem nunca tínhamos tocado e, honestamente, provavelmente não foi muito bom”, diz, a rir-se. Fez uma editora no modelo “paga o que quiseres” – algo comum hoje, mas que em 2005 era uma revolução.

De passo em passo, criou uma comunidade. Eram os punks que os punks não percebiam. E “o punk é suposto ser para toda a gente”. “Nunca senti que éramos parte, que tínhamos sido aceites em determinada cena. Éramos sempre a banda estranha, a banda que aparecia e agia de forma estranha. Por causa disso, fizemos a nossa própria cena. Encontrámos bandas amigas, não importava que soassem como nós. Levámos a Laura Stevenson connosco em digressão e ela é uma cantora indie algo country. Que se foda, quem quer saber se é calmo?”

Orgulhosamente uncool

Esses eram os dias do ska-punk e do pop-punk, um passado para muitos maldito, mas não para Rosenstock. Em Worry. ouvimos uma festa ska (Rainbow), capaz de pôr a dançar o mais empedernido indie, ao lado de canções que lembram Neutral Milk Hotel ou Weezer. Queria que “ainda fosse mais longe” em termos de diversidade de estilos, afirma, lembrando London Calling, dos Clash. “Para mim, punk é fazer algo excitante, algo… assustador, algo que pode ser muito mau e que tentamos, ainda assim, que se torne em algo de bom.”

Aos 34 anos, pôr uma canção ska-punk num disco com potencial de conquistar leitores da Pitchfork e do Stereogum foi “quase uma forma de confronto”, uma estratégia para não se acomodar a etiquetas como “disco maduro” ou “disco indie rock”. “Adoro ska, mas as pessoas falam tão mal dele. Gosto de defender coisas que são tradicionalmente uncool porque sempre fui uncool como pessoa”, elabora.

“Não me quero esquecer do punk, não quero ser o gajo que se põe a fazer coisas que nada têm a ver com o punk”, explica. Diz que em Worry. e no antecessor We Cool?, os primeiros discos que lançou numa editora com alguma dimensão (fez questão de os editar também gratuitamente pela internet), encontrou uma forma “um pouco melhor” de fazer algo que sempre quis fazer: conciliar novos gostos e ambições com a energia e o som “daqueles discos de Offspring, Rancid, NOFX, Operation Ivy, Green Day”. “Aqueles primeiros discos [punk] que descobri antes de descobrir muitas outras coisas. Estão no meu ADN, vão ficar comigo para sempre”, diz Jeff, que ouve bandas como 30 Foot Fall – obscuros autores de punk cantarolável – quando se sente “muito sério”.

Não faltam, contudo, assuntos sérios em Worry., neuras que Jeff supera berrando, berrando muito. “É uma terapia”, admite. “Aaaaaaah! Por que é que estou a sentir isto? Por que é que está alguém a ouvir isto?”

Staring out the window at your old apartment é uma confissão sobre os males da gentrificação (“Someone hung a decorative surfboard/ Up where your records and movies belong”) alimentada a teclados que podiam ser dos Beach Boys, se a fúria não fosse 100 por cento punk rock. ...While you're alive tem metalofones a agraciar o despejo de emoções (“love is worry”), a milhas de Festival song, canção ironicamente orelhuda e pop sobre as armadilhas em que a cultura de protesto caiu. Está aqui a América que já assustava antes de Trump tornar tudo mais incerto: da violência policial (em To be a ghost…, que começa acústica e torna-se hino eléctrico, lembram-se os “civis desarmados executados publicamente”) às notícias falsas.

We begged 2 explode lembra uma conversa com Laura Stevenson: “Laura said to me, ‘This decade's gonna be fucked/ Friends will disappear after they fall in love/ Fall in love and get married’”. As dores da idade adulta estão noutros sítios de Worry.. O punk é um antídoto para o envelhecimento? “Não acho que seja isso para mim”, responde. “A ideia de que a uma certa altura estás velho e é isso não vale para mim. Estou sempre a crescer e sinto que nunca vou chegar ao ponto ‘sou assim, vou ser assim para sempre’. Gosto de pensar que posso tornar-me uma pessoa melhor, aprender mais coisas, tratar melhor as pessoas e fazer coisas mais fixes e melhores. Acho que há uma certa energia na juventude que não quero perder, que pode estar nessas coisas punk, mas penso que, em grande medida, se resume a isto: tu tens vocabulário, palavras que usas, e assim que aprendes palavras mais longas não paras de usar as palavras mais pequenas. Elas são ainda a fundação de tudo.”

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