“Tenho a grande expectativa, fundada, de ter um orçamento reforçado para 2017”

Primeira entrevista do secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, que tem em mãos dois processos de revisão de financiamento público — artes e cinema.

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Rui Gaudêncio

Visto como um homem do terreno, o secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, está no cargo há seis meses. “A suborçamentação da Cultura é geral”, mas crê num reforço.

Nas grandes opções do Governo para 2017 há o “intuito de reconstituir a capacidade de dinamização no apoio às artes”. De que se está a falar em concreto?
Essa valorização do apoio às artes inscreve-se num contexto mais alargado de um contributo decisivo que este Governo quer ter para uma valorização da cultura enquanto categoria de intervenção social. Sempre na perspectiva da implementação de modelos mais participados e mais próximos quer dos cidadãos, quer do sector, quer também de outras áreas governativas. Esta cultura de diálogo, que acho que teve uma interrupção bastante grande nos últimos anos, tem de ser retomada e este é o ponto cardeal do qual depende a acção do Ministério da Cultura (MC).

Esta dinamização consegue-se quando o sector vive com incerteza? Algumas estruturas reclamaram que fossem já lançados os concursos pontuais, anuais e internacionais.
Penso que essa incerteza também corresponde a uma certa mobilização e vontade de intervir do sector, que devem ser capitalizadas. É normal que o sector tenha alguma incerteza, uma vez que estamos a chegar ao fim de um ciclo, há um novo Governo... Ao MC resta canalizar essa inquietude e questionamento para aquilo que vamos fazer a seguir.

Mas há intenção de abertura imediata de concursos pontuais, anuais e internacionais?
Não. Os apoios plurianuais estão a chegar ao final e considerámos que seria importantíssimo pensar num novo modelo de apoio às artes, porque o modelo anterior já não se compagina com as necessidades do sector. Se não o fizéssemos, agora perderíamos o tempo desta legislatura. Portanto achámos que deveríamos, em 2017, articular duas dimensões: conferir ao sector a maior estabilidade possível; e, ao mesmo tempo, desenvolver com o sector um novo modelo de apoio às artes. E acho que o MC tem por obrigação, através da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), manter uma relação com o sector que vá muito além do financiamento – embora esse seja um dos pilares dessa relação. A visão em que a DGArtes caiu nos últimos anos de ser um guichet de distribuição de financiamento tem de ser contrariada e revertida – o que nos levou a definir um quadro transitório que consiste em três aspectos fundamentais: a renovação dos apoios plurianuais, por mais um ano, no valor de 11,4 milhões de euros, uma nova linha de apoio a projectos, que será lançada em Março de 2017…

Que tipo de projectos?
É uma linha que apoiará projectos presentes através de candidatura, mas que não se socorrerá do modus operandi do regulamento vigente. Será uma linha que se aproximará mais do apoio a projectos pontuais do que dos programas anuais e plurianuais. Isto não quer dizer, e este é o terceiro aspecto que queria focar, que não reforcemos este quadro transitório com outras verbas que estamos empenhados em obter, agora que se vai iniciar a discussão para o Orçamento do Estado (OE). Ao mesmo tempo que este quadro transitório segue o seu rumo, iniciamos o processo de construção do novo modelo de apoio às artes, ouvindo o sector. Pretendemos que este processo esteja concluído até Maio de 2017 e que, no início do segundo semestre de 2017, se iniciem os processos concursais que decorram deste novo modelo, com efeitos a partir de Janeiro 2018. Apesar do que tem sido o subfinanciamento da área cultural, uma das razões da precarização das relações de trabalho, nomeadamente no terceiro sector, tem que ver com uma carência enorme de planificação das organizações relativamente à forma como vão utilizar o financiamento do Estado.

Essa será a principal medida de combate à precariedade no meio artístico?
Será complementar àquilo que espero que aconteça em 2017, que é um aumento do financiamento efectivo para a cultura e para as artes.

Mencionou o OE. O primeiro-ministro comprometeu-se com “um reforço claro do investimento na Cultura… Conta com um reforço do orçamento?
Tenho a grande expectativa, fundada, de que iremos ter um orçamento reforçado para 2017 na sequência das declarações do senhor primeiro-ministro. 

Voltando às artes, existe a intenção de desburocratizar um processo que chega a ser desesperante para quem submete as candidaturas e muitas vezes é quase divinatório quanto ao que está a ser exigido?
A simplificação é um dos objectivos não só a nível do próprio quadro formal do futuro modelo de apoio às artes, mas também nas várias frentes que se dividem pelos vários organismos da cultura, que vão desde os teatros nacionais à Biblioteca Nacional. Há uma relação diária bastante proveitosa com a modernização administrativa no sentido de simplificar quadros legislativos, modus operandi, quadros concursais, etc., de maneira a que todo este tipo de procedimentos seja mais amigo dos cidadãos.

Na redefinição do modelo do apoio terá sido tida em conta a escolha de Paula Varanda para directora-geral das Artes. Não é frágil ver agora que não cumpre um dos requisitos legais para o cargo?
Para mim a dra. Paula Varanda cumpre todos os requisitos legais para o cargo. Reúne todas as condições, que não têm que ver só com o seu currículo académico, têm também que ver com a sua experiência enquanto profissional da área. Agora vai-se seguir um concurso a que a dra. Paula Varanda irá concorrer, a par de outros candidatos, e será a Cresap a escolher o melhor candidato.

O parecer da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) argumentava que o facto de o candidato ter doutoramento relevante para o cargo não dispensava uma licenciatura. Isso não é um impedimento?
Ao longo destes últimos meses houve outros casos semelhantes ao da dra. Paula Varanda que suscitaram pareceres da DGAEP e que levaram a uma revisão da própria doutrina da Cresap, porque esta doutrina estava contra disposições que têm pelo menos uma década em Portugal e que têm que ver com o acordo de Bolonha.

Quando começará a consulta ao sector para o novo modelo?
Entre Novembro e Dezembro haverá uma consulta ao sector feita pela DG Artes, com o nosso apoio.

Terminada a consulta pública da revisão da regulamentação da Lei do Cinema, quando prevêem ter o diploma em vigor?
A primeira fase de contributos encerrou dia 30. Temos um grupo de trabalho a fazer a análise desses contributos e depois veremos quais os procedimentos a adoptar. O nosso esforço é para que esteja concluído até ao final de 2016, para que os concursos de 2017 já sejam desenvolvidos sob o novo decreto-lei.

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Rui Gaudêncio

Mas houve alguma questão central ou crítica do sector a que tenham sido sensíveis para lançar a revisão?
Já havia da parte do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) uma vontade de abrir a discussão do decreto-lei. As políticas europeias estão sempre em franca mutação quanto a linhas de enquadramento legislativo – é um exemplo, entre outros, de que o decreto-lei carecia de revisão. Mas foi sobretudo pelo facto de o próprio sector ter ido apontando, a partir de 2013, várias disfunções que urgia corrigir.

Os concursos para 2017 vão abrir no prazo e serão calendarizados já este mês?
Não. A calendarização não poderá ser em Outubro, porque este processo de revisão do protocolo será até ao final do ano. Estou a fazer todos os esforços para que os concursos abram no primeiro trimestre de 2017. Teremos um decreto-lei mais adaptado e mais passível de dar a estabilidade ao sector de que ele necessita.

O bolo de apoios para o cinema manter-se-á nos 18 milhões como para 2016?
Ainda não posso falar do bolo, porque isso também dependerá do comportamento do próprio meio em termos do cumprimento das contratações a que está obrigado. Estamos ainda a avaliar essas contratações e a ver como se comportam, para fazer um retrato o mais completo possível do que será a situação de 2017. 

Depende também do OE e do pagamento das taxas pelos operadores, por exemplo? Está finalmente a ser cumprido?
Os operadores na sua maior parte estão cooperantes com este sistema de financiamento ao cinema. Temos a consciência de que no próximo decreto-lei há uma gestão de equilíbrios a fazer entre as expectativas dos operadores e dos financiadores deste sistema e as expectativas muito legítimas dos produtores, dos realizadores.

Mas não têm estado todos a cumprir.
Eu disse a maioria, porque há um que não cumpre, que é a Cabovisão, desde que a lei entrou em vigor em 2013. Estamos também atentos a esse tipo de posicionamento e a tentar promover medidas que possam assegurar o melhor possível o compromisso assumido com esta Lei do Cinema.

Revendo as condições que têm para pagar, revendo a própria filosofia do contributo ou recorrendo à aplicação da lei [quando há em dívida pelo menos 1,6 milhões de euros]?
Fazendo a aplicação da lei. Encontram-se a decorrer processos judiciais junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância.

A constituição dos júris para os apoios ao cinema dividiu recentemente o sector. Às primeiras críticas responderam com a sugestão de devolver ao ICA a selecção de jurados para os concursos após consulta, o que mereceu críticas de outros agentes. Como vão encontrar o equilíbrio e transparência numa situação tão polarizada?
A minha expectativa é resolvê-la com este processo de consulta ao sector, que não acaba aqui. Depois de fazermos a análise dos contributos dos vários players do processo iremos discuti-los com cada entidade representativa das várias tendências, ver a que conclusões nos levam. E temos de negociar. É um processo que está no início e que marcará um novo paradigma de cooperação do sector.

A polémica parece espelhar um debate antigo do cinema em Portugal – simplificando muito, um modelo autoral vs um modelo industrial. Onde fica a tutela?
É uma análise bastante simplista. Isso tem de ser desmistificado e temos de contribuir para a amenização desta fronda – o campo de um cinema industrial, como se o cinema mais mainstream em Portugal não tivesse de ter um apoio por parte do Estado, e o cinema de autor como se fosse um cinema só para um escol de pessoas. Há grandes nuances entre os dois pontos. O MC preconiza que tem de haver um trabalho muito mais claro no estabelecer de uma relação entre a produção do cinema português, seja ela mais mainstream ou mais de autor, e as cadeias de distribuição.

Nessa lógica, como é que se apoia melhor o cinema português? Actuando na internacionalização ou na distribuição, por exemplo? 
A internacionalização de um cinema, qualquer que ele seja, será bastante mais interessante, se houver a nível nacional um apoio social a esse cinema. Na questão interna, a tentativa de que o cinema e o audiovisual – uma vertente cada vez mais importante deste sistema de apoios – possam estar presentes nas cadeias de distribuição de cinema, mas também utilizando uma grande alavanca que temos, que é a RTP. Está sob tutela do Ministério da Cultura e é um instrumento muito importante para desenvolver esse tipo de estratégia, não só no cinema mas também no audiovisual.

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