O carisma de Simões da Hora num conjunto de gravações históricas

Registos inéditos captados em concertos em 1974 e 1994 testemunham a elevada estatura de um dos mais notáveis organistas portugueses do século XX.

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A energia rítmica, a espontaneidade criativa e o carisma de um organista

Constituído por um conjunto de gravações inéditas captadas em concertos na Sé Patriarcal de Lisboa (1974), na Sé de Évora e na Igreja de São Vicente de Fora (1994), o CD Joaquim Simões da Hora in concert vem confirmar a proficiência deste notável organista no campo da música ibérica dos séculos XVI a XVIII, ao mesmo tempo que mostra uma faceta menos conhecida: a de intérprete de outros repertórios europeus, representada por compositores como Frescobaldi, Pachelbel, Pierre do Mage e François Couperin. As obras destes e doutros compositores faziam habitualmente parte dos concertos de Joaquim Simões da Hora (1941-1996), mas até agora a discografia disponível era dominada pela música portuguesa e espanhola. A consciência estilística com que aborda música de diferentes quadrantes geográficos e culturais  seria previsível num músico multifacetado com formação no campo das práticas históricas da música antiga que exerceu também uma influência marcante como professor e foi ainda produtor discográfico e programador.

Graças ao espólio do próprio Simões da Hora e aos registos dos arquivos da RDP/ Antena 2 podemos agora ter acesso à suas versões da imponente Fantasia em sol menor de Johann Pachelbel; à Toccata per l’elevazione, de Frescobaldi, adornada com fluentes ornamentações ou aos famosos versículos da Messe pour le couvents, de François Couperin, verdadeira demonstração da riqueza de colorido dos múltiplos registos do órgão setecentista da Igreja de São Vicente de Fora, bem como da capacidade “declamatória” do organista (“Récit de tierce”) e do seu virtuosismo, bem patente no  apoteótico Dialogue sur les grands jeux.

Outro ponto de especial interesse é a disponibilização das improvisações nos finais dos concertos da Sé de Évora e de São Vicente de Fora, constituindo este último o encerramento do ciclo dirigido por Simões da Hora no âmbito da Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura. São exemplos emblemáticos do carisma deste organista, da sua energia rítmica, da espontaneidade criativa e também da sua interiorização de estilos e técnicas da música barroca, recorrendo na segunda improvisação à progressão harmónica dançante da Folia numa série de variações.

Quanto às obras ibéricas, encontram-se representados os principais géneros  (Tento, Fantasia, Batalha, Glosas, entre outros) e compositores relevantes como é o caso de António Carreira, Manuel Rodrigues Coelho, Miguel Lopez, Diogo da Conceição ou Francisco Correa de Arauxo. As interpretações de Simões da Hora são marcadas por uma impecável clareza contrapontística, pela fluência da ornamentação, por uma inteligente escolha de registos e pela destreza técnica. Tratando-se de gravações ao vivo, o seu brilho e vivacidade transparece de forma especial num repertório variado e rico em contrastes, com vários momentos dignos de nota, entre os quais a espectacular interpretação da Batalha de 5º tom, de Diogo da Conceição.

A edição da Portugaler, com direcção artística de Tiago Manuel da Hora (autor do livro Joaquim Simões da Hora: Intérprete, Pedagogo e Divulgador, CESEM/Colibri, 2015) apresenta elevada qualidade sonora, um grafismo apelativo e elucidativas notas explicativas.

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