Na country é que se está bem

Sendo um countryman que conhece e respeita a história country, a ideia de criar um disco de versões de um countryman histórico acaba por fazer sentido enquanto pausa para recuperar energias.

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Bem vindo de volta, grande mestre

Às vezes o melhor é não inventar nada, voltar para casa, comer uma sopinha, ir para debaixo da manta à frente da lareira. Só para clarificar, nesta imagem a discografia de Merle Haggard seria, à partida, a sopa, a manta e a lareira de Bonnie Prince Billy, cuja carreira parece andar à deriva à coisa de 14 anos. Depois de uma série de discos fenomenais (em particular a fase que inclui I See a Darkness, de 1999, e Ease Down the Road, de 2001), Bonnie Prince assinou, a partir de 2003, com Master and Everyone, um sem número de discos que, não caindo abaixo do bastante razoável, não mais produziram a mesma dose de encanto das primeiras obras a solo.

O grande mestre do country alternativo parecia cansado do country, do alternativo e, acima de tudo, de ser mestre. Sendo Bonnie Prince um countryman que conhece e respeita a história country, a ideia de criar um disco de versões de um countryman histórico acaba por fazer sentido enquanto pit stop, pausa para recuperar energias. Excepto quando pensamos nas características que opõem Merle Haggard a Prince Billy.

Haggard foi o último dos outlaws e as suas canções, uma boa parte delas composta na prisão, estão encharcadas em álcool. Haggard era um contador de histórias puro e um profissional respeitado, cujas cantigas eram gravadas pelos melhores músicos e não raro envoltas em arranjos luxuosos. Bonnie Prince, por falta de opções, gravava no primeiro alpendre que encontrava, parecia ter prazer no seu desafinanço, e os seus temas são mais existenciais e certamente menos rocambolescos. Pelo que se Bonnie queria fazer um disco de versões para descansar a garganta – e o disco de versões é por norma visto como sinal de preguiça, figurante num plano menor, filho bastardo – teria outras opções que não Haggard.

Some Of Us Fly

E no entanto ele tem amor pela figura e acaba por abordá-lo criando um registo que se assemelha ao de Cohen quando ia à country: relaxado e solene, com alguma distância, sábio. Na country a interpretação é metade da canção e a vitória de Best Troubador é a facilidade com que Bonnie Prince torna canção sua: ouçam Some of us fly, com a sua guitarra acústica crepitante, violino em lamentos, desafinado a meias com voz feminina e saxofone já no fim. É bonito, triste, meticuloso e relaxado em simultâneo. Aquele combo – guitarra acústica, violino, saxofone – repete-se ao longo do disco, como um onze de futebol que o treinador não muda porque funciona. Por vezes há um banjo, ou uma flauta, como na belíssima That’s the way love goes, e outras mutaçoes sónicas inesperadas, como I am what I am, que soa a canção de crooner, ou Wouldn’t that be something, ligeiramente mais mais agitada; mas quaisquer alterações só mesmo se for necessário.

Não há aqui preguiça nem filhos bastardos: a country de Haggard pode não ser a country de Bonnie Prince; mas a country é o seu território de eleição – e Bonnie Prince exclui de Best Troubador o Haggard que não lhe interessa, o da vagabundagem e dos grandes êxitos, e recria-o à sua maneira, assinando um belíssimo disco. Bem vindo de volta, grande mestre.

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