Hierro Lopes, nome de editora e de fazedora de livros

A poeta Beatriz Hierro Lopes está na origem, andamento e fase final de todo o processo de edição. Quer olhar para a edição de forma artesanal. Viagem pelo trabalho oficinal de fazer um livro.

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FOTO: ADRIANO MIRANDA

Hierro Lopes é nome de editora. É-o duas vezes. A chancela que surge nos livros já publicados (Diário do Farol, de Ana Cristina Leonardo, e Babel, de Fernando Valverde) e a publicar (entre outros, um livro de crónicas e um romance de Ana Cristina Leonardo, e um livro de ficção de Lourença Baldaque) tem origem no nome de família de quem está à sua frente.

Poeta com dois livros publicados – É Quase Noite (Averno, 2013), [espartilho] (Debout Sur l’Oeuf, 2015) –, Beatriz Hierro Lopes (BHL) está na origem, andamento e fase final de todo o processo.

Hierro Lopes é uma editora que pretende olhar o processo de publicar um livro de forma diferente. Artesanal na feitura, idiossincrática no arco descrito pelo seu ciclo de vida, pessoal num compromisso subjectivo.

Beatriz Hierro Lopes está presente na concepção, planificação e manufactura de cada exemplar dos livros que até agora publicou. O que implica, literalmente, responder pela decisão de editar, mas também por todos os momentos do livro enquanto realidade gráfica. Do livro enquanto objecto. A noção tem-se banalizado, como sempre, pelos piores motivos, mas BHL enobrece-a, afastando-a do espírito que faz dela um objecto decorativo. Pretende entender o livro como potenciador não limitado de possibilidades estéticas. A fruição e o sobressalto do objecto literário são, nesta editora, entendidos como parte de um todo. Nele se abraçam a afirmação literária, com seus códigos específicos, e a selectividade do material. Desse modo, papel, tipo, impressão e capa são elementos submetidos ao labor do critério, uma atenção sem descanso. É BHL quem produz os motivos das capas, cose o papel, aplica cada componente do livro – quem o faz.

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De “Cruzar” até “Hierro Lopes”

A editora hoje chamada Hierro Lopes teve a sua origem e os seus agentes. Em 2014 BHL foi contactada por um investigador da área científica, Ricardo M. F. e Melo. O convite, “absolutamente insólito”, pois não se conheciam, visava criar um projecto, sediado no Porto, embora a natureza do negócio estivesse ainda por definir. Após várias opções, fixaram-se na “criação de uma editora em que Ricardo seria o financiador, e eu, a responsável pelo contacto com os autores e com a parte física do ‘fazer-se’ um livro”, conta.

A ideia inicial não era exactamente uma editora de livros artesanais, embora ambos alimentassem o desejo de que os livros publicados pela editora (que se chamaria ‘Cruzar’) seguissem os princípios dos livros antigos que, na infância e adolescência, admiravam em bibliotecas privadas e de família.

Reatando a cronologia, recorda BHL: “Em Maio, Ricardo desiste, por questões pessoais, mantendo a palavra dada e sabendo que eu não desistiria da ideia, considerou, em boa-fé, que me deveria proporcionar o capital inicial para a editora. Assim fez.” Conforme esclarece BHL, embora, neste momento, a Hierro Lopes (nome por si escolhido) não conte com a participação de Ricardo M. F. e Melo, se não fosse o seu aparecimento e o capital por ele investido, a editora não existiria.

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Uma editora vertical

BHL é clara a distinguir o seu campo de acção e a actividade por si levada a cabo. Aliás, uma característica do seu discurso é essa clareza, como a assertividade na expressão de pontos de vista e no relato das suas experiências como editora. “A minha editora não tem nada a ver com as outras, é completamente distinta. Primeiro, porque nós não seguimos o sistema normal da gráfica, da distribuição…”

A editora descreve os passos que conduzem aos livros que até agora publicou e que levarão aos que pretende editar: “Desde o momento em que se aceita o original, até ao ponto em que existe o objecto físico, todo o processo é vertical. É uma editora vertical. Todas as editoras são horizontais, porque aceitam o livro, vão revê-lo, partilhar opiniões com o autor, até chegarem ao texto final. Mas, depois, o livro sai das mãos do editor e do autor. Vai para a gráfica. Depois da gráfica, vai para a distribuidora.”

O sistema defendido e praticado por BHL é diferente, mesmo comparado com editoras aparentemente análogas: “Nas pequenas editoras, como as de poesia, a distribuição é feita na mesma, simplesmente não há uma empresa, mas há distribuição. Vai para determinadas livrarias, ou seja, também alimenta outro tipo de comércio, as livrarias independentes. A Hierro Lopes não alimenta nada, nem ninguém. O livro chega à editora, é revisto, as opiniões são partilhadas com o autor, chegamos ao texto final. Depois, começa uma segunda etapa, que é artesanal, em que o editor não é só um editor, mas um fazedor de livros – em que eu faço os livros.”

A assunção da primeira pessoa decorre, com naturalidade, do tipo de contexto que a pessoa da editora foi criando à medida que tudo se formava. “Depois de os livros estarem feitos, há uma publicitação no site e através do Facebook, apenas. As pessoas encomendam através do e-mail, e eu vendo o livro. O dinheiro é dividido entre o editor e o autor. Ou seja, não há nenhum tipo de intermediário.”

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Distinguindo o seu posicionamento, BHL descreve uma opção de claro afastamento dos circuitos consagrados ou mesmo dos mais alternativos. “Tenho amigos livreiros que já me perguntaram, por exemplo, se não quero ter o livro da Ana Cristina Leonardo em algumas livrarias. É mesmo princípio, e é um princípio que vou manter até ao fim. Nenhum livro da Hierro Lopes vai estar alguma vez numa livraria. Seja grande, pequena. Nem em feiras do livro, nada. Não há stock.”

Como se percebe, a noção de livro como objecto massificado não poderia ser mais adversa a esta ideia de edição. “É ir buscar a ideia do livro como objecto. Não há dois livros iguais; é uma impossibilidade. Isso, por exemplo, escrevo logo no site: cada livro é para cada leitor.” É a própria técnica por trás do livro que impede que eles sejam iguais.

Uma travessia no deserto?

Sem qualquer artifício, BHL revela a génese da Hierro Lopes, desmontando as peças para voltar a dispô-las por ordem. “Não acordei um belo dia e pensei: ‘Vou criar uma editora, que se vai chamar Hierro Lopes e que vai ser de livros artesanais’.” O processo foi moroso, prolongando-se por meses, num encadear de tentativas e erros. “Inicialmente, contactei com designers. Todo o processo era extraordinariamente lento, dispendioso, insano.” Quem começa e não tem experiência, admite, tem a obrigação de se rodear de pessoas com conhecimentos técnicos e um entendimento da área da distribuição. Foi isso que fez, durante um ano, mas, revela, “ia enlouquecendo”. Findo esse tempo, apenas tinha o logotipo da editora e orçamentos “absolutamente astronómicos” para três livros. Até que optou por ir pessoalmente às gráficas. A última que visitou, “altamente mecanizada”, lembrava uma funerária, onde se podia estar a “fazer livros, como caixões, ou conservas”. Perante a intenção de produzir capas duras, fita para dividir, livros cosidos, para não falar em papel marmoreado, os orçamentos disparam: “dariam para comprar uma casa.” A resposta surge sempre por entre sorrisos de troça: “Já não se fazem livros assim! E o papel marmoreado é um artigo de luxo.”

O confronto com a máquina produtora nada teve de encorajador, e não será BHL quem adoce a narrativa. “Mostraram-me papel marmoreado que eu não utilizaria nem para embrulhar bacalhau. O que é que eles fazem? Há duas hipóteses: ou se importa, de França, por exemplo, ou há um tipo que vai ao Photoshop, faz umas manchas que lembram o marmoreado no papel e arranja umas cores bizarras.” Coleccionadora de almanaques do século XIX, BHL tinha em mente uma paleta de cores definida, de matiz oitocentista, em contraste total com a oferta de rosa-choque, verde-alface e azul berrante.

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Uma casa, uma oficina

A noção de um trabalho artesanal acaba por confinar com o espaço que o acolhe. O que foi tornando a casa de habitação a sede improvisada da manufactura – e vice-versa. “No fim do ano [2015], reuni a minha equipa (não era bem uma equipa), paguei-lhes e disse-lhes que não sabia muito bem o que ia fazer, mas não seria por ali.” Num fim de ano entre amigos, um “acesso de desespero” ditou a decisão de fazer caminho a sós. BHL recorreu a velhos tomos, na tentativa de perceber como se fazia um livro. Admite rapidamente nada ter conseguido. Sem formação na área gráfica ou artística, ficou entregue ao seu próprio engenho.

É preciso destacar a tenacidade de um autodidactismo que deu frutos, hoje em dia evidentes, mas que implicaram um tempo de maturação próprio e não pouca experimentação. “Comecei a pensar no livro quase como se fossem gavetas. Papel marmoreado, como é que se faz? Ninguém ensina como é que se faz; tem de se ir ver como é que se fazia. E como é se cose um livro? Há não sei quantas maneiras de coser um livro. Tive de ver qual era a que se adequava a cada um dos livros que queria editar. Como é que se pagina?” Socorrendo-se dos manuais que foi adquirindo, lançou-se ao trabalho. Surgiram necessidades técnicas, como uma guilhotina de resma, uma impressora adequada, “e aí entrou o capital do Ricardo”. Gradualmente, explica BHL, a sua casa foi-se transformando numa oficina.

É chegado o momento do livro de estreia da editora Diário do Farol, da crítica literária Ana Cristina Leonardo. De quatro protótipos iniciais, a autora escolheu um, ainda que o tom ainda não fosse o desejado azul-prussiano. Obtida a forma final, em Março deste ano, foi decidido que o livro seria editado a 25 de Abril, “porque é uma data que lhe é muito querida.”

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O segundo livro trocou ainda mais as voltas a tudo. BHL é contrária à ideia, “impraticável numa editora assim”, de um formato de colecção. Segundo defende, cada livro deverá dialogar com o seu conteúdo. O marmoreado do livro de Ana Cristina Leonardo comunicava noções como as de ilha, mar e horizonte, pelas cores escolhidas e devido à técnica usada no marmoreado. Babel, de Fernando Valverde, tinha uma relação forte com elementos como terra e floresta – “foi outra odisseia”.

Ciente da especificidade desse dois primeiros livros, que quase formam um díptico, entre terra e mar, BHL descreve o minucioso processo de feitura do segundo: “Meti logo na cabeça que Babel ia ser um livro de capa dura. Normalmente, os livros de poesia de poetas actuais (pelo menos os que eu conheço) são livros que vão resistir, enquanto objecto, no máximo, dez anos. Alguns, nem isso. Há muito aquela ideia de que a poesia é uma arte pobre, ou que isso deve ser transmitido para o livro enquanto objecto. Eu acho o contrário.”

BHL quis que o livro ostentasse o corpo sólido de algo que ficasse, daí ser cosido à mão e ter capa dura. Mas no caminho até ao livro final não faltaram escolhos: “Inicialmente, fui a um jardim colher folhas, flores. Sequei tudo e fiz uma colagem. Passava-se com a mão e sentia-se um relevo, como se fosse uma porção de bosque. Mas depois não funcionava, porque tornava o livro difícil de abrir.” Motivo pelo qual a editora reincide no papel marmoreado, ainda que nele integre pétalas. Pela sua presença na poesia de Valverde, mas também devido à identificação com o imaginário de BHL.

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Cruzando os caminhos da edição e da biografia, BHL conta: “Aquelas pétalas todas vêm de uma roseira específica, que era do meu avô, do lado do meu pai, um alentejano que tinha uma empresa de recauchutagem, mas, nos tempos livres, tinha o seu jardim, que adorava, e era um exímio jogador de póquer – tinha o hábito de jogar em cima de caixões, porque o melhor amigo dele era o coveiro.”

As experiências deste jardineiro amador resultaram numa casta de rosa que, depois de seca, ganha um invulgar tom sépia, avermelhado. Usar as pétalas é também um modo de homenagear o avô. É ele o “Lopes” de “Hierro Lopes”. Homenagem dupla, extensível ao pai, como revela: “Só perto do fim da quarta classe descobriram que eu não sabia ler nem escrever. Quem me valeu foi uma velha pianista, que me ensinou a ler utilizando um método bastante interessante: através do som. Ensinou-me piano enquanto me ensinava as palavras. Paralelamente, o meu pai, com uma paciência de santo, decidiu que me havia de ler todas as noites do dicionário.” Ao pai, deve BHL a introdução aos livros que extravasavam o público juvenil. Por um acordo tácito, pôde ler tudo o que o pai lesse. Razão pela qual o primeiro livro lido na íntegra foi Pela Estrada Fora, de Jack Kerouac. E assim se explica o nome: “O Hierro vem da minha avó espanhola, e o Lopes do meu avô alentejano.”

Trânsito hispânico

Resumindo o trabalho realizado e o que se avizinha, esclarece: “Esta editora tem três partes. Uma está ligada à poesia, mas que vai ser sempre traduzida: autores portugueses traduzidos para espanhol, ou autores hispânicos traduzidos para português, caso do Fernando Valverde e da próxima autora, a Raquel Lanseros, que também é espanhola, e do Alí Calderón, um poeta mexicano. As outras duas são a Lírica, uma colecção só de mulheres, embora eu não seja feminista, estou muito longe disso. Os livros fora destas séries incluem o de Ana Cristina Leonardo, que publicará com a Hierro Lopes Enquanto Veneza Se Afunda: Crónicas e Textos Circunstanciais e, no início de 2017, um romance; bem como um título de ficção de Lourença Baldaque, também a publicar no próximo ano.

Recuando aos primeiros momentos da editora, BHL relembra: “Uma das coisas que eu pensei logo foi: é impossível que isto seja uma editora de poesia portuguesa, porque, senão, vou roubar poetas aos meus amigos. E isso não me interessa. O que era interessante era dar a conhecer os poetas portugueses aos hispânicos.” Nesse sentido, tem, ainda, na calha uma vasta antologia que incluirá 40 poetas, entre portugueses, hispânicos e brasileiros, segundo um critério etário – entre 30 e 45 anos. A edição unirá a Hierro Lopes à Valparaíso Ediciones, de Granada, ficando a organização a cargo de BHL e do poeta Alí Calderon.

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Uma equação e as suas variáveis

“Fundamentalmente”, explica, sintetizando uma orientação, “o que define esta editora é ir contra tudo o que está a ser feito, porque, no actual mercado editorial, as únicas pessoas que não ganham dinheiro são os editores e os autores. Quem ganha são os distribuidores, os tipos das gráficas, os designers. Se os tirarmos da equação, temos um editor que chama a si todo esse trabalho, mas é uma relação muito mais equilibrada.”

Reflectindo sobre o actual panorama editorial, refere: “Muita gente se queixa de nós termos poucos escritores. Acho que era impossível, mesmo que as editoras pagassem os direitos de autor que a lei portuguesa considera dignos para o escritor. É impossível.” Analisando uma questão a que se refere com empenho, defende: “Um escritor tem, obrigatoriamente, de ter outra profissão. Não pode ser escritor. Mesmo os que são escritores, não podem ser escritores. Têm de ter casa, comida. Para escrever, convém que se tenha um tecto, que se possa comer e, à noite, que se tenha um sítio onde dormir. Isto é o mínimo. Como é que se tem o mínimo vivendo da escrita? Não se tem. Em Portugal, é impossível. Ou se anda à cata de prémios e se tem a sorte de ganhar uns prémios que permitam viver humildemente, mas com dignidade, durante uns anos, e nesse período escrevem-se uns livros, ou então tem de se ter outra profissão. Se se tem um emprego, caso se tenha a sorte de ter um emprego, tem de se ter um emprego das nove às seis, ou das nove às sete… Uma pessoa que tem esse emprego não tem tempo para aquilo que um escritor, obrigatoriamente, tem de fazer: ler, ter tempo para ter ideias, para reescrever.”

Indo ao âmago da questão, explicita a posição da Hierro Lopes: “É por isso que eu faço o contrário. Os direitos de autor que são pagos aos autores, quando são pagos, são indignos. São obscenos. A ideia das microeditoras, de pagarem em exemplares, acho normal, porque são editoras que, de facto, não têm dinheiro para pagar direitos. Mas depois há o outro lado: nenhum autor pode comer livros. Se houver uma editora em que o editor faz os livros do início ao fim, obviamente, ele ganha metade do que o livro vende. O que eu faço é: fico com metade, e o autor fica com outra metade. O que, para mim, não é muito, mas permite ao autor e ao editor pagar algumas contas. Fazer da edição uma coisa também rentável para as duas pessoas que, de facto, estão no livro.”

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O editor (in)visível

BHL tem uma posição inequívoca e irredutível, quando se trata de descrever o papel e perfil de um editor: “Também há a ideia de que o editor deve ser invisível. Eu acho isso uma estupidez. O editor nunca é invisível. Pelo menos, não a ideia que eu tenho de editor. E na minha editora, menos ainda. Aliás, a partir do momento em que o editor faz o livro, é quase um co-autor. Porque ele é responsável. Ou seja, a ideia do editor como figura longínqua, sentada numa cadeira confortável e a dar apenas o seu consentimento pode ser muito bonita, mas não é exequível. Quando o editor sai dessa figura e passa a ser um fazedor, é completamente diferente. Até porque os editores de que eu gosto são pessoas que se envolvem com o livro. Tem de haver uma paixão. Claro que levo isso ao absurdo, é uma excentricidade. Mas, se não chegasse a esse ponto, que é excessivo, não haveria possibilidade. Tenho de exterminar tudo o que existe à volta de: autor, editor, leitor. Não pode haver mais ninguém neste círculo. Todos os intermediários têm de deixar de existir.”

Revendo o caso peculiar da sua editora, afirma: “Há um compromisso entre o editor e o autor que é quase um pacto de lealdade. Cria-se uma ligação de uma intimidade intelectual muito superior àquilo que eu imagino que exista na maior parte das editoras.”

É uma certa concepção do livro como mercadoria e das leis do seu mercado o que está em apreço, quando diz: “Nós temos livros muito despersonalizados. Até pode haver vinte, cem pessoas com o mesmo livro, mas se cada exemplar for único o leitor tem uma relação com ele que é completamente distinta. E isso interessa-me. Eu levei o nível de personalização a outro patamar…”

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Escritores versus “processadores de texto”

“Se a pessoa quiser ter o seu livro no hipermercado e nas gasolineiras”, começa por dizer BHL, estabelecendo distinções, “eu não sou editora que sirva para isso”. “Se quiser ter os livros em livrarias, também não é comigo. Mas se quiser ser pago, aí, vem ter comigo.” A editora dispõe em barricadas opostas dois tipos de escritor. De um lado, o que pretenda ver os seus livros vendidos e ter um editor que lhe pague, para poder viver do que escreve. De outro, quem pretenda ter livros em escaparates que, ao fim de um ano, regressem danificados ao armazém. Em suma, o escritor, ou aquele que queira fazer nome de vitrina – “o escritor e o mero processador de texto.”

A editora não hesita em dar o seu exemplo pessoal, elucidativo dos constrangimentos e condicionantes da actividade da escrita. Tendo começado a escrever um romance há três anos, tem parado esse projecto. Apenas pôde começá-lo, reconhece, por estar então desempregada e a beneficiar de subsídio. “Vejo por mim: porque é que eu escrevia, basicamente, fragmentos? Porque tinha um horário das nove às sete, e o único tempo que tinha era, realmente, para escrever um fragmento.”

Modelos?

Quanto a editoras e responsáveis editorais que pudessem ter sido um modelo, assinala os editores dos seus dois livros: Inês Dias e Manuel de Freitas, da Averno, e Miguel de Carvalho, da Debout Sur L’Oeuf. Da Averno, BHL destaca uma relação de afecto com o autor, que “não é só aquele que manda um e-mail com o livro. É uma pessoa que merece ser bem tratada e com quem se fala, mas de uma forma que não é automatizada.” O livro é visto como organismo vivo, que pulsa, o que cria uma ligação com os autores que é pessoal. O mesmo dirá da editora de Miguel de Carvalho, destacando ainda o “culto dos livros como objecto”. Uma noção que a editora teve em conta quando lançou o seu projecto, não deixando de sublinhar: “embora o modelo que eu tenha criado seja diferente destas duas editoras, claro”.

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