As ligações portuguesas dos escandinavos Liima

Enquanto os dinamarqueses Efterklang dão uma pausa a si próprios, três dos seus músicos criaram os Liima, que agora lançam um álbum de estreia com ligações a Portugal. É que o grupo gravou no Funchal e um dos seus membros vive em Lisboa, onde falámos.

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Thomas M. Jauk
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Das muitas bandas que a Dinamarca tem dado a conhecer ao mundo nos últimos tempos, os Efterklang são uma das mais relevantes. Desde 2000 foram capazes de erguer um universo próprio onde se mistura rock, melodias pop, emoções acústicas ou ritmos digitais, tudo metido dentro de uma caixa de música que parece funcionar de forma desengonçada, como é audível no seu último álbum de originais Piramida (2012). Os Liima são um quarteto constituído pelo percussionista finlandês Tatu Rönkkö e pelos dinamarqueses Mads Brauer, Rasmus Stolberg e Casper Clausen, estes três últimos pertencentes aos Efterklang. Os quatro acabam de lançar o álbum de estreia, ii, pela histórica 4AD.

Em Lisboa, onde está a residir neste momento, Casper Clausen é peremptório: “Os Liima não significam o fim dos Efterklang, que continuam vivos e a fazer música, mas neste exacto momento estamos divididos por outros projectos. A última coisa que fizemos foi uma ópera, apresentada no Verão passado em Copenhaga, e contamos editar esse trabalho proximamente. Mas os Liima, mesmo pensando e operando de forma diferente, coexistem nos intervalos em que os Efterklang estão inactivos.”

O álbum de estreia do grupo foi sendo composto durante residências artísticas na Finlândia, Istambul, Berlim e no Funchal, na Madeira, acabando as canções por ser influenciadas pelas permanências nesses locais. “Recordo-me com exactidão como é que cada uma dessas canções começou, onde estávamos e a fazer o quê”, afirma Casper. “Compusemos todas as canções em conjunto nesses espaços de residência, afectados pelo que íamos experienciando.” No Funchal nasceram dois dos temas (Amerika e Black beach) do álbum, influenciados pelos sons de rua locais.

“Recordo-me, por exemplo, de irmos pela rua e de ouvirmos um tipo a tocar harmónica e de aquilo nos sugerir algo. Depois chegávamos ao estúdio e trabalhávamos a partir daqueles sons. O Amerika surgiu do facto de estarmos numa ilha no meio do Oceano, a caminho da América, precisamente, mas tudo começou num beberete no Funchal”, ri-se Casper. “De repente alguém pôs a tocar um tema dos Boards Of Canada e gostámos muito da batida, depois fomos trabalhando sons e texturas e colocámos vozes.”

Apagar o cérebro
Cada canção possui um sentido preciso para Casper, apesar de o ouvinte nem sempre o descortinar da mesma forma. Quem entrar em ii vai deparar-se com uma pop sintética extravagante, com os sintetizadores e as percussões a proporem um universo tão claustrofóbico quanto dançante até certo ponto. É o que acontece, por exemplo, com Roger Waters que, está-se mesmo a ver, começou com um motivo alusivo aos Pink Floyd. “Um dia estávamos a falar sobre os Floyd e às tantas demos por nós a experimentar uma canção que começava com uma linha de baixo parecida à de Money. Andamos ali às voltas e o resultado final resultou em qualquer alusiva ao tempo com um ritmo elástico.”

Depois de terem reunido vários esboços de canções acabaram por gravar tudo em Berlim, durante três dias, num processo que ele classifica como tendo sido muito espontâneo. “Nos Efterklang existe sempre algum debate interno para que os discos tenham contornos conceituais, aqui acaba por ser o oposto. Tentamos ser o mais intuitivos possível. É quase como voltar à adolescência quando tínhamos uma banda de garagem e fazíamos música sem pensar muito no seu efeito. No fim de contas tentamos deliberadamente apagar um pouco o cérebro e deixamo-nos ir.”

Em Janeiro vimos o grupo ao vivo, no festival Eurosonic, em Gronigen, na Holanda, e nesse contexto é perceptível, talvez mais do que em disco, essa abordagem lúdica à matéria musical, com sintetizadores, samplers, vozes e baixo a sugerirem uma sonoridade que parece conter laivos de krautrock alemão dos anos 1970, em saudável ligação com electrónicas mastigas pela pop à maneira da faceta mais inteligível dos Animal Collective.

Em Abril iniciarão uma digressão europeia que haverá de passar por Lisboa mais à frente, até porque Casper quer que os restantes membros do grupo estejam durante algum tempo na cidade. “Um deles vive em Copenhaga e os outros dois em Berlim, e eu gostava muito de os reunir todos aqui em Lisboa para fazermos mais uma residência onde pudéssemos criar música nova. Tenho 34 anos, faço música em conjunto com eles desde os meus 16 e é sempre uma excitação quando estamos juntos. É como voltar à adolescência, embora também necessitemos de estar separados.”

Para já, Casper, vai ficar por Lisboa. Descobriu a cidade quando os Efterklang vieram a tocar a Portugal pela mão de Pedro Azevedo da sala MusicBox, tendo sido ele também o responsável pela residência na Madeira. “Sempre que vim a Portugal fui descobrindo pessoas fantásticas e esse sentimento de que havia aqui qualquer coisa que merecia ser desvendado foi crescendo em mim. Ainda não sei exactamente que mistério é o desta cidade, mas para já estou a gostar desta experiência e de ter deixado Berlim, onde existiam muitas solicitações e não me focava.”

O ano passado, através de Alex Zhang Hungtai (Dirty Beaches), conheceu o também músico André Gonçalves, quando andava à procura de um estúdio de gravação, e acaba por fazer um paralelo curioso: “Para alguém como eu que chegou há pouco à cidade conhecer, de um lado, o Pedro Azevedo, que é todo à flor-da-pele, e do outro, o André Gonçalves, que é a serenidade em pessoa, é como se tivesse conhecido os extremos de Lisboa, e de alguma forma de mim próprio porque consigo ser as duas coisas, e foi a partir daí que ponderei que esta cidade seria boa para mim.”

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