“Acidentes acontecem em qualquer museu”

Presidente do Conselho Internacional de Museus não atribui "importância especial" ao derrube da escultura por visitante.

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O Arcanjo São Miguel numa imagem da Direcção Geral do Património Cultural DGPC

“De acordo com as informações que tenho, acidentes desta natureza podem acontecer em qualquer museu. À partida não lhe atribuo importância especial”, afirma Luís Raposo, presidente do braço europeu do Conselho Internacional de Museus (ICOM Europa), a maior organização internacional do sector dos museus, sobre o acidente que levou ao derrube de uma escultura barroca no Museu Nacional de Arte Antiga. “Seguramente que as normais condições de segurança foram garantidas pelo museu. Conheço bem o profissionalismo da equipa.”

Raposo lembra que as esculturas colocam questões sensíveis aos museus, que muitas vezes as preferem expor fora das vitrinas para não prejudicar a fruição de um objecto em três dimensões.

Não faz, no entanto, nenhuma relação com as polémicas declarações do director do museu em Setembro, que sugeriam não existirem vigilantes suficientes para o número de salas do museu.

Se não faz uma relação com este caso concreto, Luís Raposo reconhece que as condições de segurança das colecções portuguesas chegam às vezes ao limite: “Todos os museus portugueses públicos vivem um ambiente de bom escuteiro, em que procuramos resolver os problemas, vestir a camisola, numa situação em que por vezes nos faz pisar o risco. Há muito tempo que defendo que devemos expressar de uma forma mais audível  as nossas inquietações quanto às condições de apresentação pública.”

Pela imagem divulgada com a peça derrubada no Facebook, a museóloga Joana Sousa Monteiro é da opinião que o Museu de Arte Antiga fez no desenho da exposição o que precisava para proteger a peça e para evitar que as pessoas se encostem: “Parece-me uma solução segura. Não vejo aqui nada que se possa criticar.” O plinto, que serve de pedestal à escultura, tem uma base “grande” que impede as pessoas de se aproximarem. Se alguém tropeçar na base, como parece ter sido o caso, é provável que tenha o reflexo de se agarrar à obra de arte para não cair, “mas não ter essa protecção seria pior”. Já em relação ao encaixe com que a escultura é presa ao plinto, a directora do Museu da Cidade diz que a imagem não lhe permite perceber se estava ou não colado.

Falta de vigilantes e de autonomia

Ana Alcoforado dirige um museu nacional que tem na escultura um dos seus pontos fortes, o Machado de Castro, em Coimbra. Na sua colecção não há nenhum Arcanjo São Miguel como o de Arte Antiga, mas há peças do mesmo período e com características semelhantes que, tal como a do MNAA, estão colocadas sobre plintos, sendo o sistema de fixação das peças “absolutamente dependente da sua anatomia”: “Uma peça destas dimensões [quase dois metros de altura], em madeira, nunca está numa vitrine, só as mais pequenas estão, por questões de segurança. As maiores são fixadas de forma invisível aos plintos de acordo com o que a sua morfologia permite e sem nunca interferir na integridade da peça. Às vezes podemos recorrer a espigões, outras a encaixes… Tenho a certeza de que os meus colegas de Arte Antiga fizeram tudo o que era necessário para salvaguardar esta escultura, mas os acidentes acontecem e acontecem em todos os museus do mundo.”

Na galeria que o Machado de Castro consagra ao Norte da Europa, onde mostra sobretudo escultura de madeira do século XVI, na sua maioria de pequenas dimensões, há mais vitrines do que na de finais do século XVII e do século XVIII, em que a solução expositiva mais recorrente é parecida com a adoptada no MNAA, tendo sempre em atenção que as esculturas maiores e mais leves são de equilíbrio mais instável.

Atribuir o sucedido ao número insuficiente de vigilantes nas galerias é um “erro”, diz Alcoforado, mas isso não significa que se deva perder a oportunidade de chamar a atenção para um problema que afecta todos os museus da DGPC: “Isto poderia ter acontecido mesmo com o número ideal de vigilantes, mas nós estamos muito longe, mesmo muito, desse número. E quando digo estamos, não me refiro só ao nosso museu.”

A equipa do Machado de Castro tem 32 funcionários, metade dos quais vigilantes. Destes, só 14 estão ao serviço (é preciso contar com baixas e licenças) e apenas 10 a 12 asseguram o funcionamento do museu em permanência (“há sempre pelo menos dois de fora, por causa de folgas”), um museu que tem 7000 metros quadrados de área expositiva. “É claramente insuficiente”, acrescenta Ana Alcoforado, garantindo que o problema se agudiza nos primeiros domingos de cada mês.

Nestes dias em que a gratuitidade faz aumentar “e muito” o fluxo de visitantes, “entre eles alguns pouco habituados a museus e pouco disponíveis para seguir as regras”, o que a equipa de Alcoforado faz é fechar algumas das salas do museu à hora do almoço e limitar o número de visitantes numa ou noutra galeria. A videovigilância também ajuda, diz. “O ideal seria duplicar o número de vigilantes, mas eu já nem peço isso. Ter 20 a 24 já seria muito bom.”

Para a historiadora de arte Raquel Henriques da Silva, que já dirigiu o Museu do Chiado e o próprio Instituto de Museus, que hoje faz parte da megaestrutura DGPC, o que seria muito bom era devolver aos directores dos museus a autonomia que já tiveram e que lhes permite gerir as suas equipas da forma mais adequada. Acidentes como o de domingo, que “infelizmente, são uma inevitabilidade, sobretudo por causa das fotografias, que se tornaram uma verdadeira praga”, não decorrem directamente de falhas na vigilância, embora o número reduzido de funcionários potencie o risco. “A probabilidade de acidentes está em crescendo acentuadíssimo em todos os museus portugueses”, diz esta académica, garantindo que, desde a criação do Instituto de Museus, no início da década de 1990, os directores de museus nunca tiveram tão pouca margem para tomar decisões como hoje.  

“Um director é uma peça vital num museu, não é como um chefe de repartição a trabalhar num ministério. Tem uma casa aberta ao público, como uma escola ou um hospital, que já são hoje geridos de forma muito mais autónoma. Precisa de poder decidir o que é melhor para a instituição que dirige e não pode ficar sem meios para actuar nem refém de pedidos de autorização, papéis e telefonemas para a DGPC”, acrescenta. “E isto é verdade para a contratação de vigilantes e muito mais.”

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