Depois de IPO ter visto rejeitada compra de medicamentos, Bloco quer SNS fora da “Lei dos Compromissos”

Bloco de Esquerda entende que a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso “compromete o investimento no SNS e, até mais grave do que isso, compromete a prestação de cuidados aos utentes”.

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Tribunal de Contas rejeitou vistos a vários hospitais para aquisição de medicamentos, nos últimos anos, por falta de fundos financeiros disponíveis Rui Farinha (Arquivo)
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O Bloco de Esquerda (BE) vai apresentar um projecto-lei no Parlamento para alterar a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso (LCPA) no sentido de excluir todas as entidades públicas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) da aplicação desta legislação. O partido considera que a lei em vigor “tem manietado o Serviço Nacional de Saúde e tem criado uma perversão: secundarizou o direito à saúde, tendo-o subordinado a regras de tesouraria”, conforme consta da proposta do BE a que o PÚBLICO teve acesso.

“São vários os exemplos de como a aplicação da Lei dos Compromissos compromete o investimento no SNS e, até mais grave do que isso, compromete a prestação de cuidados aos utentes”, considera o BE. O caso mais recente, citado pelo Bloco no projecto de lei é o da rejeição por parte do Tribunal de Contas (TdC) da compra de medicamentos ao Instituto Português de Oncologia (IPO) de Coimbra por falta de financiamento, conforme o PÚBLICO noticiou na segunda-feira.

O TdC recusou o visto prévio a dois contratos do IPO de Coimbra para aquisição de medicamentos para o tratamento de cancro. O motivo, explica o tribunal, deve-se “à inexistência de fundos disponíveis para suportar as despesas assumidas”. O problema decorre da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, introduzida durante a intervenção da troika, e para o qual o tribunal tem alertado desde 2018.

O Bloco de Esquerda, que frisa que sempre se opôs a esta legislação, defende que ​“a Lei dos Compromissos está deliberadamente a impedir o investimento no SNS e a aquisição de bens e serviços essenciais para os utentes” ao exigir a demonstração de fundos próprios disponíveis e de saldo positivo por parte das instituições do SNS na altura em que são assumidos os compromissos, e sabendo de antemão o subfinanciamento do SNS e a existência de necessidade de aquisição de terapêuticas caras ou de assunção de compromissos de investimento que são também de monta”.

Face ao exposto, o BE propõe que a lei em causa deixe de incluir na sua redacção, como acontece actualmente, “todas as entidades públicas do Serviço Nacional de Saúde”. E inclui mesmo a seguinte referência no texto: “Excluem-se do âmbito de aplicação da presente lei as entidades públicas do Serviço Nacional de Saúde.”

É cada vez mais evidente que esta situação não se pode manter, sob prejuízo de continuarmos a ter hospitais impedidos de adquirir medicamentos e de contratar serviços e terapêuticas”, justifica o Bloco de Esquerda.

De acordo com a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, nenhuma despesa pode ser autorizada se o hospital não demonstrar que tem fundos disponíveis no momento em que assume o compromisso e no futuro, durante o período programado para o pagamento. No caso do IPO de Coimbra, estão em causa dois contratos para aquisição de medicamentos para tratamentos oncológicos, para os quais o TdC concluiu não haver fundos disponíveis e por isso recusou os vistos.

Um dos concursos foi celebrado a 23 de Fevereiro deste ano, para vigorar até 31 de Dezembro, para a aquisição de um medicamento para o tratamento do cancro da próstata, no valor de um milhão e duzentos mil euros (acrescido de IVA). O outro concurso em causa foi para a aquisição de um medicamento para o tratamento de cancro da mama, com o valor de 960 mil euros (acrescido de IVA), celebrado a 6 de Março e para vigorar também até ao final deste ano.

Salientando que “não se põe em causa a imprescindibilidade da aquisição” destes medicamentos, o TdC afirma que “tem vindo a ser sucessivamente confrontado com a falta de fundos disponíveis no que toca a instituições que integram o Serviço Nacional de Saúde”. E diz ficar claro “do elenco de factos provados”, nos dois acórdãos divulgados nesta segunda-feira, que o IPO de Coimbra “não dispõe de dotação orçamental suficiente que lhe permita suportar” os compromissos assumidos.

O projecto de lei do Bloco refere ainda que “o Tribunal de Contas tem assinalado constantemente a necessidade de alterações legislativas para que estas situações não se continuem a repetir. São vários os acórdãos deste tribunal que apontam a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso e a Lei de Enquadramento Orçamental como fonte do problema”, sublinha o partido.

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