Durante a minha infância, quando ouvia a palavra "restauro", o termo era quase sempre usado no contexto de obras de arte antigas. Depositávamos na mão humana a sabedoria necessária para devolver cor ou vida a relíquias desgastadas pelo tempo. Acho curioso que hoje, quando se fala em restauro, referimo-nos vezes sem conta ao restauro ecológico – uma acção que tenta recriar as condições necessárias para que o ecossistema se regenere, mas que na qual a mão humana terá sempre um papel secundário.

Foi exactamente isso que Pedro Prata, líder da equipa Rewilding Portugal, explicou ao Azul, esta semana, numa reportagem sobre como estamos a aprender a coabitar com espécies selvagens (neste caso, o lobo-ibérico): nós, seres humanos, não somos a peça-chave no restauro da natureza.

"O rewilding [renaturalização] parte de uma premissa que é: nós não somos o actor principal disto tudo. As funções principais do planeta funcionam por causa dos componentes vivos que cá estão. Temos de saber que não estamos a gerir todos os componentes, nunca estivemos e é impossível que algum dia estejamos para que isto funcione", explicou Pedro Prata à jornalista Aline Flor e ao jornalista multimédia Tiago Bernardo Lopes, que foram acompanhar o reforço das populações locais de corços no Grande Vale do Côa.

E o que é que os corços têm a ver com o lobo-ibérico? Bem, eu podia explicar que um é predador do outro, mas o meu objectivo é que o caro leitor possa ler a reportagem completa e, assim, perceber como funciona o complexo equilíbrio das diferentes componentes de um ecossistema. E, aqui, o ser humano pode ajudar imenso não atrapalhando – ou seja, não atropelando espécies, não praticando caça furtiva.

Nesta semana, em que assinalámos o dia da Biodiversidade, não faltaram notícias em que a intervenção humana surgia como a origem de uma perturbação, uma fonte de poluição ou um fenómeno climático extremo. A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, por exemplo, perturbou a migração anual das águias-gritadeiras (Clanga clanga), contou-nos Clara Barata.

Estas aves de rapina, classificadas como espécie vulnerável, foram obrigadas a viajar durante mais tempo para evitar zonas de conflito durante a rota anual, um percurso que liga o Médio Oriente ou a África à Polésia, uma zona húmida na Bielorrússia. A viagem não só aumentou como sofreu alterações ou supressões nas paragens, o que pode ter impacto na capacidade reprodutiva desta espécie selvagem.

De regresso a Portugal, mostrámos como o passado de exploração mineira na serra da Caveira, em Grândola, está a causar no presente níveis de contaminação elevados de arsénio, cobre, chumbo e mercúrio. Estes elementos podem causar problemas graves de saúde humana ou ambiental. Enquanto a Câmara de Grândola "vai adiando" as reuniões solicitadas pela investigadora Rita Fonseca, professora da Universidade de Évora ouvida pelo jornalista Carlos Dias, estes metais pesados continuam a poluir solos próximos a linhas de água na mina da Caveira.

No capítulo da crise climática, provocada pela queima descontrolada de combustíveis fósseis desde a era industrial, as notícias não são mais animadoras. Desde o México, onde se esperam as temperaturas "mais altas já registadas" e o calor é tanto que há macacos a cair mortos das árvores, até à Índia, com os termómetros a chegar aos 47,8 graus Celsius e muitas escolas encerradas devido à onda de calor.

Perante este cenário desolador, o Tribunal Internacional para a Lei do Mar emitiu esta semana um parecer histórico para proteger o oceano e o clima. A decisão considera que a emissão de gases com efeito de estufa é uma forma de poluição marinha à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e, como tal, os Estados são obrigados a proteger os ecossistemas marinhos, e até a restaurá-los. Que seja um restauro verdadeiro, que passe das palavras à acção, e que nele saibamos qual é o nosso papel.