SNS: um resultado de Abril de 74 e um desafio para a democracia

Os recursos escassos não permitem a generalização do acesso à saúde, pelo que se convergiu para um sistema misto.

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A institucionalização do Sistema Nacional de Saúde (SNS) em Portugal acontece em 1979, sendo um dos resultados do 25 de Abril de 1974. No entanto, muitos anos antes, a saúde já era uma prioridade política em Portugal e em todos os Estados-membros da Organização Mundial de Saúde (OMS).

As organizações para a resolução dos problemas da saúde em Portugal foram sempre surgindo da iniciativa de diversas entidades privadas de solidariedade. O Centro de Reabilitação de Alcoitão, criado pela Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (1956) ou o Hospital da Ordem Terceira do Chiado (1671) evidenciam essa génese de um sistema misto. Porém, estas bases de organização não permitiam o acesso aos cuidados de saúde a todos de forma igual e muito menos de forma gratuita. Sem dúvida que uma das importantes conquistas da Revolução de Abril consiste na organização do SNS, com base em valores fundamentais que se traduzem na garantia universal do direito à proteção da saúde, independentemente das condições sociais e económicas de cada cidadão.

Garantir a providência geral das liberdades e dos direitos inscritos na Constituição da República Portuguesa de 1976 exige agora uma capacidade acrescida na gestão dos recursos escassos, e particularmente no caso da saúde, de conseguir que todos os cidadãos, independentemente da sua capacidade económica, tenham acesso geral e tendencialmente gratuito aos cuidados de manutenção da saúde e prevenção da doença. A arte de bem gerir é agora um imperativo e conduz à experimentação de diversos modelos de gestão, ainda que todos assentem no pressuposto dos novos modelos de governação económica e que consistem em ir além do confisco para estabelecer a satisfação das necessidades essenciais do Estado.

Mas em boa justiça e em igualdade de direitos e deveres, as condições básicas e essenciais variam consoante a interpretação livre de cada um. E o que se verifica é que esta nova gestão pública consolida a concretização dos objetivos em parceria com as organizações do setor privado e do terceiro setor. Os cidadãos mais exigentes e capazes financeiramente utilizam o serviço público à sua própria medida de racionalidade e substituem-no pelo serviço privado sempre que este se apresenta mais eficaz.

O sucesso dos vários sistemas nacionais, como o SNS, o sistema de educação, o sistema de segurança social, entre outros, não pode deixar de lado a existência de uma procura crescente que não está prevista e nem seria matematicamente possível para orçamentação pública. Apesar da complexidade da gestão em saúde, os resultados confirmam que, em termos de saúde pública, se atingiram muitos dos objetivos estabelecidos, registando-se melhorias significativas durante as últimas quatro décadas, como a diminuição da mortalidade materno-infantil e infantil ou o aumento da esperança média de vida.

Ao contrário dos recursos, que são escassos, as necessidades são infinitas e progridem na medida do cumprimento e satisfação das necessidades iniciais, momento em que surge um público cada vez mais insaciável e impaciente face aos novos problemas no domínio da saúde pública, com a crescente inversão da pirâmide geracional e o desafio das novas doenças e novas descobertas que envolvem mais variáveis a incluir no sistema.

A complexidade da gestão em saúde advém, em grande parte, da multidisciplinaridade de áreas e atores constituintes do sistema, já que a saúde depende de vários fatores como da alimentação, das condições de trabalho e de habitação e até do acesso ao ensino e aprendizagem. À semelhança do que sucedeu no domínio da democratização do ensino e, em particular, do ensino superior, os recursos escassos não permitem a generalização do acesso, pelo que se convergiu para um sistema misto.

A consideração da educação como bem público, estando ao alcance de todos, é uma verdade relativa. Persistem alguns condicionamentos para a verificação plena deste facto, uma vez que um estudante pode eventualmente não ter capacidade financeira para frequentar o ensino superior público num destino que implique o pagamento de habitação e demais sustento adicional. No caso da saúde, a falta de igualdade de acesso pode começar pelo mesmo dilema de localização da unidade de saúde e é muito mais preocupante, pois o que pode estar em causa é a vida ou morte.

A solução possível para a continuidade e sucesso do SNS só tem uma direção e esta aponta para a utilização mais eficiente dos recursos através de uma gestão melhorada, com base nos critérios de custo-eficácia e suportada por opções de partilha com as esferas privada e institucional, num ambiente de verdadeira democratização da saúde.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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