O direito a brincar em espaços pensados pelas crianças

A brincadeira, cada vez mais escassa na vida das crianças, é marcada por imposições de adultos no que respeita ao tempo, espaço e até à tipologia.

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Por vezes, o design pensa no adulto e não na criança que dele precisa para se desenvolver Paulo Pimenta/Arquivo
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Fala-se de direitos da criança e ecoam as vozes dos velhos do Restelo, receando a conversa e perguntam “então e os deveres?”. Hoje questiono o dever dos adultos em respeitar e promover os direitos da criança.

Direitos e deveres não são mutuamente exclusivos e estão inter-relacionados. Devemos transmitir às crianças a sua responsabilidade, em casa, na escola, em sociedade, dando o exemplo de as respeitar como pessoas plenas com autonomia concordante com os seus direitos.

Criança é, segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) “qualquer pessoa com menos de 18 anos”.

Muitas vezes quem está entre a criança e os direitos ou acesso a eles somos nós, mães, pais, cuidadores, professores, decisores e governos.

Alguns dos direitos em crise na sociedade pós-contemporânea:

  • Direito à participação
  • Direito à privacidade e segurança
  • Direito a brincar — Direito ao lazer e à cultura
  • Direito a um planeta sustentável

Há um grande fosso dos direitos à prática que torna urgente mudar a forma como se vêem e tratam as crianças, e como se desenha para o seu bem-estar.

Design para os direitos da criança. De que forma é que o design contribui?

O design tem grande impacto social e um papel significativo na infância. Influencia a aprendizagem, define e parametriza brincadeiras, seja na concepção de brinquedos, no desenho de ambientes, serviços e experiências. As opções de design vão melhorar ou dificultar o desenvolvimento e autonomia das crianças. Por exemplo, se os parques infantis ou recreios escolares são desenhados para adultos, reforçando os seus medos e necessidade de controlo e de superproteção, então está a ser retirada à infância a aprendizagem pelo risco. A função e o objectivo do recreio deixam também de existir e torna-se num espaço aborrecido e potenciador de frustração.

Os decisores e municípios têm grande responsabilidade pois, para evitarem queixas, ignoram o melhor interesse da criança, desrespeitando os seus direitos. Para colmatar a situação deverão ter em consideração o direito da criança a ser ouvida e participar nas decisões que a afecta, incluindo-a. Ao terem em conta os direitos da criança e adoptarem metodologias de co-design, incluindo-a no processo de design, os designers e todos os que estão na génese da criação de interfaces para humanos, vão criar produtos, serviços e espaços mais inclusivos, sustentáveis, intuitivos e seguros.

Os ecrãs, redes sociais e direitos digitais

Uma das grandes ameaças à segurança das crianças é a violação do seu direito à privacidade e à imagem própria — o sharenting ou prática dos pais partilharem imagens dos menores nas redes sociais, que justificam com a ilusão de que têm contas privadas, alheios à multiplicidade de riscos reais em que colocam as crianças. Também prejudicial é o estilo parental do controlo e vigilância, que invade a privacidade, movimentos e acções da criança por meio da geolocalização e que os empurra para a dependência da monitorização por dispositivos, numa falsa ilusão de segurança.

O direito ao descanso e lazer está em crise por agendas sobrecarregadas e hiper-estimulação por ecrãs. A substituição do brincar pelo uso de tecnologia de forma excessiva, sem propósito, expõe as crianças a riscos de saúde e de segurança.

Brincar é fundamental pois a criança aprende, é o trabalho da infância, defendia Maria Montessori. A brincadeira, cada vez mais escassa na vida das crianças, é marcada por imposições de adultos no que respeita ao tempo, espaço e até à tipologia. A brincadeira livre que parte da espontaneidade e interesses da criança já não tem lugar. As crianças deveriam fruir da rua para a literacia física e mobilidade urbana, mas estarão as nossas cidades desenhadas para brincarem?

Brincar é de tal forma importante que no último mês a ONU estabeleceu o dia 11 de Junho como Dia Internacional do Brincar, sensibilizando para a necessidade no desenvolvimento da criança.

Para educar uma criança é preciso uma aldeia, diz o provérbio africano.

Quando se juntam os direitos e o design torna-se mais fácil desenhar de forma global e ética, para isso a associação Designing for Children’s Rights (D4CR) criou um guia orientado para os designers e negócios com standards de design responsável para as crianças.

O artigo 42.º pede que os governos promovam ativamente a divulgação dos direitos da CDC às crianças e adultos. Em 2021, a Amnistia Internacional, Angelina Jolie e Geraldine Van Bueren, redactora da CDC lançaram o livro Know Your Rights and Claim Them, que oferece orientação prática para o exercício dos direitos, com dicas sobre ativismo e advocacia política.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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