“Se não olharmos para o interior, nem os de lá querem ficar”

Líder do Conselho Coordenador dos Politécnicos defende revisão das regras de acesso ao ensino superior, que permitiram às instituições das principais cidades do país crescer nos últimos anos.

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Maria José Fernandes é presidente do Insituto Politécnico do Cávado e do Ave DR
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Em momento de mudança de governo, a lista de vagas do concurso nacional de acesso ao superior – que são conhecidas este domingo – chegou sem sobressaltos para o sector. O que não quer dizer que as instituições de ensino não queiram que o novo executivo mexa em algumas das opções dos últimos anos. Sobretudo as excepções às regras que permitiram a muitas universidades e politécnicos do litoral crescer, enquanto as congéneres do interior estão a reduzir a oferta. A presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Maria José Fernandes, espera que o novo ministro, Fernando Alexandre – também ele professor do ensino superior –, reveja essas opções políticas.

Os números do concurso nacional de acesso ao ensino superior 2024 apontam para um maior desequilíbrio na oferta entre as instituições de ensino situadas nas grandes cidades e aquelas que estão no interior. Isto acontece cinco anos depois de o ministro Manuel Heitor ter reconhecido que isso era um problema e ter proposto medidas para o limitar. O que é que mudou de então para cá?
Manuel Heitor fez bem quando defendeu uma redução de vagas nas instituições de Lisboa e do Porto. Mas foi ele próprio a pô-lo em causa quando começou a criar excepções, por exemplo, para os cursos de competências digitais, que foram autorizados a aumentar o número de vagas. O que nós sabemos é que é muito difícil às instituições de ensino superior do interior crescer quando têm, por vezes tão perto, instituições do litoral a competir pelos mesmos alunos.

As políticas públicas têm mesmo que olhar para o interior, senão nem os de lá querem ficar. O ensino superior tem estancado alguma saída de pessoas do interior do país. Feche-se o Instituto Politécnico de Portalegre, ou o Instituto Politécnico da Guarda ou o de Castelo Branco, e veremos o que acontece àquelas regiões.

E não vê essas preocupações reflectidas nas redes do concurso nacional de acesso ao ensino superior deste ano?
Este aumento de oferta nas instituições do litoral é fruto da aposta nas competências digitais. Abrem muitos cursos novos nessas áreas, aumenta o número de vagas noutros também dessa área. Mas há uma pergunta que se impõe: temos mercado para isto tudo em Portugal? Num momento em que vemos grandes empresas internacionais do sector a despedir pessoas...

Se nada for feito, as instituições que agora abrem a pensar nas competências digitais não tarda estarão nas outras áreas todas. Tem que se olhar para o que é que nós, como país, queremos da rede do ensino superior, até porque nos próximos anos a tendência é para que haja cada vez menos candidatos, porque há menos jovens com 18 anos.

Este concurso nacional de acesso começa num quadro de mudança de governo, mas decorreu sem sobressaltos. Foi pragmatismo ou é sinal de maturidade do próprio sistema de ensino superior?
O próprio ministro disse, no debate do Programa do Governo, que o ensino superior está “estabilizado”. Ele ainda não nos conhece bem – ainda que tenha uma percepção grande porque está dentro do ensino superior –, mas há muitos desafios no sector. Este governo não quis mexer no concurso de acesso, nem tinha tempo para isso. Mas é preciso uma estratégia, em diálogo com as instituições. Todas estas excepções que têm vindo a ser feitas nos últimos anos têm que ser equacionadas. Se o país quer ter pessoas a viver no interior, tem que olhar para isto. Até porque sabemos o grande factor de desenvolvimento que são os alunos que vão para essas cidades.

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