Europa contrabandeia gases com um efeito de estufa ainda maior que o CO2

Protocolo internacional destinado a reduzir uso dos hidrofluorocarbonetos está a ter efeitos contraditórios, fazendo aumentar o valor destes gases. UE tem dificuldade em controlar comércio ilegal.

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É da China que vem grande parte dos hidrofluorocarbonetos que entram ilegalmente na Europa REUTERS
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Grandes quantidades de gases usados como refrigerantes em processos industriais, mas que provocam o aquecimento do clima estão a ser contrabandeadas ilegalmente para a Europa, a partir da China e da Turquia, segundo um relatório da Agência de Investigação Ambiental (EIA, na sigla em inglês), com sede em Londres. O seu destino são países como Portugal, Grécia, Alemanha, França, Itália e Espanha.

Este comércio ilícito põe em causa um pacto global para a eliminação progressiva dos hidrofluorocarbonetos (HFC), diz esta organização não-governamental (ONG).

Os hidrofluorocarbonetos são uma gama de produtos químicos utilizados sobretudo para refrigeração na indústria e no comércio a retalho, que não danificam a camada de ozono como outros gases refrigerantes já proibidos. Mas provocam um intenso efeito de estufa, que pode ser milhares de vezes mais potente do que o provocado pelo dióxido de carbono (CO2).

Através da emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal (destinado a acabar com o uso de gases que destroem a camada de ozono que protege a Terra), assinada em 2016, os países europeus e outros comprometeram-se a reduzir em 85% o uso dos HFC entre 2012 e 2036.

Mas, apesar dos compromissos assumidos no sentido de reduzir a utilização de HFC, os serviços responsáveis pela aplicação da lei em toda a União Europeia têm dificuldade em controlar os carregamentos ilícitos que entram através da Turquia, da Rússia ou da Ucrânia, diz a EIA.

Os contrabandistas recorrem a tácticas cada vez mais sofisticadas para escaparem à detecção, concluiu a ONG, após uma investigação que durou dois anos, no relatório Mais arrepiante que nunca — Lidar com o tráfico ilegal da Europa em gases HFC superpoluentes para o clima.

"Ainda é muito fácil encontrar HFC ilegais no mercado europeu", disse Fin Walravens, um activista sénior da EIA. "Há sinais de que os comerciantes estão a adaptar os seus métodos, que estão a ficar com mais capacidade de fugir às autoridades", avisou. "Se conseguirem introduzir os gases mais poluentes e mais nocivos, basicamente lucram mais".

Para que a redução progressiva se concretize, no âmbito da Emenda de Kigali, são atribuídas quotas aos produtores e consumidores autorizados de HFC, que vão sendo reduzidas gradualmente.

No entanto, a procura continua alta, e as reduções progressivas fizeram com que os preços subissem, o que gerou incentivos para os contrabandistas — muitos dos quais são também comerciantes autorizados — disponibilizarem mais oferta, segundo o relatório.

"É muito mais fácil, quando se tem uma licença, exceder a quota. É muito difícil provar [que há ilegalidade]", disse Walravens. "A redução progressiva destina-se a encarecer os HFC e a fazer com que as pessoas pensem que as alternativas são melhores e mais rentáveis, mas se no comércio ilegal forem vendidos a metade do preço, todo o sistema se desmorona".

Uma investigação da EIA de 2021 sugeriu que os HFC ilegais contrabandeados para a Europa poderiam ascender a 20-30% dos volumes legalmente comercializados, o equivalente à emissão de 30 milhões de toneladas de CO2. Uma tonelada de hidrofluorocarboneto-23 emitida para a atmosfera é equivalente a 12 mil toneladas de dióxido de carbono.

O novo relatório não forneceu uma estimativa revista, mas Walravens disse que "muito pouco mudou".

A China é o maior produtor mundial de HFC, com 39 fabricantes autorizados a obter licenças de produção equivalentes a 185 milhões de toneladas de CO2 este ano. Em Dezembro, a China adoptou novas regras para punir as empresas que excedam as suas quotas.

Mesmo quando estão disponíveis produtos alternativos, a aplicação da eliminação progressiva dos produtos químicos tem sido um grande desafio, com alguns governos a serem "incapazes ou mostrarem-se pouco dispostos a tomar medidas", disse Ian Rae, da Universidade de Melbourne (Austrália), que foi consultor técnico do Protocolo de Montreal.

"Parece haver sempre procura por parte dos clientes que estavam satisfeitos com o produto antigo e são relutantes em mudar para o novo, que pode ser mais caro", afirmou. Reuters

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