Comércio ilegal de gases de refrigeração na Europa é “crime assustador”

Relatório da Agência de Investigação Ambiental (com sede em Londres) admite que o volume de HFC ilegais a entrar na União Europeia será de uma ordem equivalente a 20 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, o que é cerca de metade das emissões totais de Portugal.

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Gases de refrigeração EIA

As ambições europeias de combate às alterações climáticas estão a ser minadas pelo comércio ilegal de gases de refrigeração (hidrofluorocarbonetos, HFC), revela um relatório divulgado esta quinta-feira que fala do “crime mais assustador para a Europa”.

O relatório é o resultado de uma investigação da Agência de Investigação Ambiental (Environmental Investigation Agency, EIA, na sigla original), uma agência de protecção ambiental com sede em Londres e com escritório também em Washington e que trabalha na luta contra problemas ambientais mundiais e investiga crimes ambientais.

O relatório, intitulado “O Crime Mais Assustador para a Europa –​ O Comércio Ilegal de Gases Hidrofluorocarbonetos Refrigerantes”, aponta a Roménia como principal ponto de entrada dos HFC ilegais, provenientes da China e contrabandeados via Turquia e Ucrânia.

Segundo o documento, o potencial impacto climático deste comércio ilegal pode equiparar-se às emissões de mais de 6,5 milhões de carros a circular durante um ano. Estes gases refrigerantes, criados como alternativa aos clorofluorcarbonetos (CFC) para evitar a destruição da camada de ozono​, têm, no entanto, um grande potencial de aquecimento da atmosfera.

A investigação da EIA, com recurso nomeadamente e investigadores infiltrados, além de identificar a Roménia como ponto de entrada dos HFC ilegais, fala também de uma rede de intermediários envolvidos e na prática corrente de subornos através das fronteiras. Os investigadores “não encontraram falta de fornecedores dispostos a violar a lei e entregar HFC contrabandeados, por vezes até em cilindros de uso único que foram proibidos na União Europeia”, diz o documento.

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Netherlands Human Environment and Transport Inspectorate

O relatório adianta que a EIA identificou uma tendência crescente da circulação ilegal de um refrigerante muito potente (HFC-404A), cujo uso em grandes sistemas de refrigeração foi banido. Em 2020 este refrigerante, refere o documento, contabilizou mais de um terço de todas as apreensões de HFC.

A revelação mais chocante, adianta-se ainda, foi a de que estes gases perigosos estão a ser contrabandeados pela Europa até por pessoas que nem sabem o que estão a transportar. “O comércio ilegal floresceu porque a fiscalização e as coimas são raras e geralmente não são proporcionais aos lucros obtidos”, salienta a organização.

Ainda que a dimensão do fenómeno não seja estimada com precisão, a EIA admite que o volume de HFC ilegais a entrar na União Europeia (UE) é potencialmente de uma ordem equivalente a 20 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, cerca de metade das emissões totais de Portugal.

A organização avança ainda que outro dado revela a existência desse comércio ilegal, o de que as importações de HFC que a UE divulga são sempre menores do que as exportações que são divulgadas para a Europa.

Em 2014 a UE reviu a regulamentação de gases fluorados para eliminar progressivamente os HFC, gases sintéticos com um efeito de estufa centenas de milhares de vezes mais potente do que o dióxido de carbono e que são usados por norma na refrigeração, em ares condicionados, em aerossóis ou em espumas. Com menos desses gases e com o aumento dos preços, proliferou o comércio ilegal.

Clare Perry, líder das campanhas climáticas da EIA, afirma, citada no relatório, que a sociedade humana está “no fio da navalha” e que o tempo está a acabar para enfrentar eficazmente as alterações climáticas.

“Não poderemos dar um único passo em falso nos nossos esforços para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5 graus Celsius e, a escala maciça do comércio ilegal de HFC para a UE deveria estar a fazer soar alarmes por todo o bloco – este é o maior eco-crime de que ninguém ouviu falar e que necessita de mudar, rapidamente”, acrescenta.

O relatório, com 30 páginas e que deixa várias sugestões para conter o problema, foi divulgado esta pela associação ambientalista portuguesa Zero, que tem colaborado com a EIA na questão dos gases fluorados.

A Zero questionou as autoridades portuguesas, que admitiram haver irregularidades no sector, pelo que apela para o esforço continuado de fiscalização.

Em Portugal, é à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que compete implementar as normas sobre os gases em questão. A GNR, através da Direcção do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) tem competências de entidade fiscalizadora. A Inspecção do Ambiente (IGAMAOT) e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) têm competência na instrução e aplicação de coimas.

Em contactos com “entidades intervenientes” foi confirmada “a existência de irregularidades, essencialmente no sector automóvel associado ao carregamento de ar condicionado e no sector industrial relativo a refrigeração de instalações”, diz a Zero.

A associação ambientalista acrescenta, sobre as declarações dessas entidades, que é reconhecido que “não existe um conhecimento concreto da proveniência dos gases fluorados que entram no país de forma ilegal, mas, no quadro da partilha de informações policiais, é possível confirmar que existe efectivamente um mercado ilegal paralelo de gases fluorados” em Portugal.

Francisco Ferreira, presidente da Zero, também citado no comunicado, considera que “é fundamental as autoridades portuguesas (...) darem uma maior atenção ao tráfico de gases fluorados em Portugal, que põe em causa o atingir de objectivos climáticos dado o seu elevadíssimo potencial de aquecimento global”.

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