A marca tem de ser muito mais do que um logótipo

Uma identidade gráfica, feita por gosto, ideologia ou outro motivo qualquer, que não reúna consenso nacional, está longe de ser um processo concluído.

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Tenho acompanhado as notícias e artigos de opinião sobre a mudança de logótipo da República Portuguesa e o debate sobre a desvalorização do design criativo. Na qualidade de investigadora em marketing, cabe-me realçar que a criação de uma marca é muito mais do que um logótipo e o seu design. Mais, o design deve ser uma expressão da identidade estratégica de uma marca. Para isso, a participação dos públicos internos não pode ser esquecida.

Não vou entrar no debate sobre a integração ou não dos elementos gráficos da bandeira nacional e dos elementos simbólicos do país, da história, ou da República. O importante é refletir sobre o processo de criação da marca, e se ela expressa, ou não, a autenticidade de um povo e de uma nação, independentemente da simplicidade ou complexidade do seu design. Eduardo Aires, reputado designer que tem assinado a criação de logótipos de várias marcas, nomeadamente a aplaudida marca Porto. expressou ao PÚBLICO que a decisão de revogação do logótipo da República Portuguesa por si criado é uma decisão ideológica, de gosto, que desvaloriza a modernidade e o poder criativo do design. No entanto, independentemente dos motivos, a questão que deveria impor-se a quem contratou, a quem agora decide e a quem executou a imagem gráfica é se o logótipo é verdadeiramente um sinal físico da identidade da marca da República Portuguesa no sentido lato do termo. Sublinho, o conceito de marca vai muito para além do design de um logótipo, e o logótipo deve ser a representação gráfica de uma identidade institucional, cultural e/ou simbólica. O seu conjunto faz a marca.

Diz-se muitas vezes que no marketing “primeiro estranha-se e depois entranha-se”. Em todo o caso, uma identidade gráfica, feita por gosto, ideologia ou outro motivo qualquer, que não reúna consenso nacional, está longe de ser um processo concluído. A construção de uma marca quer-se representativa da identidade do que representa. Se o objetivo é representar uma nação e/ou a instituição que a governa, é importante tornar o processo participativo. E ao contrário de muitas vozes, a identidade gráfica de uma marca não é um assunto menor. Se o objetivo é representar a essência de uma instituição, de uma nação, de uma história, cultura ou de um povo, é importante envolver no processo esses agentes.

Cumpre-me, pois, elevar o debate para o campo da gestão da marca institucional e que, neste caso, transporta uma carga identitária de uma nação. Uma marca não pode ser um simples trabalho de design, por mais técnico, moderno, dinâmico e adaptável aos meios digitais. Concordo que o trabalho de Eduardo Aires é bastante competente a esse nível. Mas é preciso incluir no debate o processo de co-criação da marca. Num trabalho científico de 2019 do qual sou co-autora, publicado na revista Place Branding and Public Diplomacy, descrevo que o trabalho de Eduardo Aires com a marca Porto. não envolveu, na altura, os residentes da cidade. Teve, no entanto, um bom resultado a expressar a identidade territorial, facto reconhecido pelos residentes, embora não tenham sido envolvidos no processo. Criar uma marca territorial envolve um processo diferente da criação de um logótipo de uma marca de uma empresa ou de um produto.

Será que o logótipo da República Portuguesa de Eduardo Aires volta a ser um simples exercício de design, ou contemplou desta vez todo um processo de criação de uma marca, de representação da identidade institucional, territorial e cultural? É essa identidade gráfica reconhecida pelos cidadãos nacionais como representativa da sua identidade institucional e/ou territorial? Será que o processo foi participado e envolveu entrevistas ou grupos de foco com cidadãos nacionais? A resposta a estas questões é essencial, antes de se entrar em “achismos” opinativos sobre o tema, baseados simplesmente no gosto. O processo de criação da marca é essencial para se compreender se a marca é boa ou má, se está validada ou não por quem tem de se identificar com ela.

Bem sei que a marca em questão é uma marca institucional, para o Governo da República, e não se trata de um processo de branding territorial como o que se faz pelo país ao nível do city branding, embora em muitos casos se confunda o logótipo da marca cidade com o logótipo da entidade de governo dessas mesmas cidades. Em todo o caso, é urgente dar uma dimensão estratégica à criação de marcas, quer institucionais como territoriais, envolvendo os residentes, stakeholders internos que têm um importante papel de co-criação de valor no marketing. O seu reconhecimento e aceitação das marcas que os representam são um passo essencial para que esses públicos internos se tornem promotores da marca e agentes da criação da imagem da marca no exterior. Não é, por isso, uma questão de gosto em relação ao design, mas de processo de co-criação.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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