Há coisas que parece que trazemos nos genes, mas não, é mesmo da convivência. Em casa dos meus avós sempre se discutiu política; na dos meus pais menos; na nossa, os miúdos eram pequenos e já nos ouviam e, com o tempo, começaram a envolver-se de tal modo que, se há famílias que partilham no grupo de WhatsApp memes de apanhados, nós partilhamos políticos a fazerem declarações, que esmiuçamos à exaustão. Na Quinta-feira Santa, na casa da minha sogra, a conversa estava de tal maneira acesa que a mulher-a-dias voltou a limpar a sala só para perceber o que dizíamos, porque os gritos ouvia-os bem enquanto estava na cozinha. "Quando se juntam, é sempre assim...", informava-a, quase num lamento, a minha sogra para, de seguida, fortalecer a voz e intervir: "Escutem!..."

Há sempre divergências e isso é saudável, não somos todos iguais, não pensamos da mesma maneira, conseguimos compreender quem pensa de forma diferente, desconstruir o que diz ou sermos nós desconstruídos (também acontece, claro). Contudo, desde dia 10 de Março que comecei a sentir algum desconforto com algumas opiniões. "Será que se vai passar connosco o que se passou com os meus primos da América?", pensei, com um aperto no coração. Com a ascensão de Trump, os meus primos deixaram de se falar: uns são 'trumpistas', outros não compreendem como é que filhos de emigrantes, todos nascidos em Portugal, podem sê-lo. 

Os gritos, as ofensas e as mentiras na televisão, proferidas não só por políticos, mas sobretudo por comentadores pagos não ajudam. Se, ainda continuam a incomodar-me, penso sobre quando é que vou sentir que é perfeitamente normal gritarmos por cima dos outros, querendo obrigá-los a pensar como nós. "Gostava muito de poder contribuir para a moderação, que é mais tímida, é mais discreta e não entra tanto no sensacionalismo. Há muitas pessoas em Portugal à espera da moderação", diz em entrevista Paula Lobato Faria, autora que completou uma trilogia com o título Liberdade, apoiando-se em factos históricos e biográficos, que reconhece o lugar de privilégio onde nasceu, mas que esse não a faz ser saudosista. Pelo contrário, considera ser importante que as raparigas leiam sobre o que foi a realidade das avós e das mães, como foram tantas as conquistas das mulheres, mas que não está tudo adquirido, adverte. No final da entrevista, a autora pousa a sua mão na mão da jovem jornalista Inês Duarte de Freitas e diz-lhe: "Não se esqueça que, por vezes, nós, mulheres, temos de bater o punho na mesa para sermos levadas a sério como merecemos."

Porque são muitas as vezes que não somos levadas a sério, como revela a actriz Halle Berry, que foi mal diagnosticada porque estava na perimenopausa. Anne Hathaway confessa que sofreu um aborto espontâneo, como se sentiu isolada e com pouco conhecimento sobre o tema. A saúde feminina continua a ser um mistério para a ciência e para nós. Por isso, a especialista Margarida Martinho escreve sobre os segredos da endometriose que, durante anos e anos, foi (e continua a ser) desvalorizada.

Voltando ao privilégio, Inês Duarte de Freitas traçou o perfil da designer de interiores madeirense Nini Andrade Silva, conhecida pela decoração original de dezenas de projectos hoteleiros. Uma mulher que sempre revelou muita confiança em si e que confessa que nunca quis ser como os outros, os outros que quisessem ser iguais a ela! Uma mulher que continua a ver-se com 20 anos, só percebe que esses já estão longe quando se vê ao espelho, mas que persegue a longevidade. Uma mulher que não esquece o lugar onde nasceu. "Não aprendi a ser assim. A Madeira moldou-me a acreditar na felicidade."

Queria falar ainda de: generosidade — um grupo de jovens que ajudou um segurança a rever a família —; longevidade — a crónica de Carmen Garcia leva-nos até ao Japão e ao conceito de Ikigai —, e de felicidade — que não tem de ser a dois, mas pode muito bem ser a um, como escreve Inês Meneses. Hoje é Domingo de Páscoa, dia em que os cristãos acreditam que Cristo ressuscitou, como sublinham Ana e Isabel Stilwell. Se há coisa que podemos aprender com qualquer religião são os valores, os bons, aqueles que nos falam de paz, de compreensão e da tal moderação de que tanto precisamos nestes tempos. Sem gritos.

Boa Páscoa!