Podemos evitar um futuro distópico: uma agenda renovada para o progresso social global

Em Junho, estará disponível na Internet uma Plataforma Internacional para o Progresso Social, como fonte de informação, para recolher as iniciativas e projectos transformadores em todo o mundo.

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Os desafios da degradação ambiental, das desigualdades sociais, do declínio democrático, da inovação tecnológica disruptiva e das disfunções da cooperação global nunca foram tão prementes. A recente crise pandémica global, as guerras e as condições meteorológicas extremas ameaçam a coesão social e as instituições democráticas, revelando novas vulnerabilidades e expondo as fragilidades das abordagens de desenvolvimento e da governação global prevalecentes.

Para enfrentar estes desafios, nós – um grupo de várias centenas de académicos, empreendedores sociais e defensores de diferentes causas – acreditamos que devemos reconhecer a interdependência mútua destes desafios, juntamente com a diversidade dos contextos locais e nacionais, de modo a compreender e desvendar plenamente a complexidade da transformação sistémica e os prazos das dinâmicas em curso na Terra e nas sociedades. Isto é essencial para imaginar soluções adequadas e tirar o máximo partido das oportunidades emergentes.

Existe uma visão para o progresso social

A visão de um futuro desejável é também essencial. Um esboço geral para sociedades melhores inclui: criar uma economia inclusiva e responsável, domando os mercados e empresas através de sistemas reguladores socioeconómicos e ambientais responsáveis e fomentando organizações económicas e sociais com um objectivo mais amplo; trazer a circularidade para as nossas cadeias de valor e modo de vida; reduzir as desigualdades sociais e capacitar as pessoas através de serviços universais e através da redistribuição e pré-redistribuição; aprofundar a democracia através de mecanismos participativos e deliberativos e de melhores sistemas de informação; reforçar a cooperação global e reformar a governação global para preservar bens comuns como a biodiversidade e melhorar a resiliência face às mudanças globais; e aproveitar a tecnologia para um impacto positivo.

O Painel Internacional para o Progresso Social (IPSP) ganhou notoriedade internacional em 2018 ao oferecer às sociedades humanas uma narrativa poderosa para acompanhar a implementação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Ofereceu uma visão de progresso, sob a forma de um quadro alargado do tipo de instituições e reformas que, permitindo variações substanciais em todo o mundo, poderiam concretizar uma sociedade "melhor", inspirada nos valores de igualdade, liberdade, emancipação, participação e inclusão.

Renovar um novo grande impulso para a transição para sociedades melhores

Muitas das soluções para as sociedades melhores já existem, sob a forma de implementação sectorial de boas políticas públicas ou de iniciativas inspiradoras da sociedade civil, embora de forma isolada. Vários intervenientes, especialmente da sociedade civil, contribuem para esta agenda de inúmeras formas e constituem um conjunto dinâmico do qual se podem retirar conhecimentos e dinâmica. No entanto, embora estejam em curso muitos esforços de aliança, não existe uma coligação global unificada que combata os obstáculos ao progresso social e, isoladas, essas não são suficientes para contrariar as externalidades negativas a nível social, ambiental e de governação do actual modelo de desenvolvimento e governação. No entanto, precisam de ser adaptadas às condições locais, enquadradas em visões sistémicas de longo prazo e narrativas de melhores futuros, e co-construídas, promovidas e implementadas por coligações fluidas de agentes públicos, privados e não-governamentais.

A identificação clara das principais causas destas externalidades negativas é fundamental para desenvolver uma concepção, uma sequência e uma implementação das acções que transformem a dinâmica em jogo. Este reconhecimento constitui a base da nossa pergunta aberta, que motiva o novo ciclo do Painel Internacional sobre o Progresso Social (2024-2027): como podemos ajudar coligações de actores a emergir e a organizar-se, e como podemos ajudar a alimentá-las, de modo a implementar a agenda do progresso social?

Rumo a uma iniciativa global com maior impacto

Em 2023, o Painel Internacional sobre o Progresso Social decidiu voltar a reunir-se, num formato mais alargado e mais inclusivo, mantendo a objectividade científica e a independência que se tornaram a sua imagem de marca. Mas irá agora envolver-se na co-construção com as partes interessadas e as organizações baseadas na participação dos seus membros para garantir uma maior relevância do seu trabalho para os agentes de mudança, visando assim um impacto muito maior. Reunirá conhecimentos especializados transectoriais e transdisciplinares, provenientes da ciência e da prática, a fim de proporcionar uma compreensão abrangente e sistémica da complexa dinâmica das interacções entre múltiplos intervenientes, com especial atenção para o Sul Global e para as vozes sub-representadas.

A partir de 2024, o Painel desenvolverá formatos e ferramentas inovadores para apoiar os agentes de mudança e ter impacto nos processos que conduzem à transição. Trabalhará no sentido de operacionalizar uma agenda para o progresso social enquanto um novo horizonte global:

- Concebendo reformas e transformações que abordem as falhas estruturais das actuais instituições e regulamentos económicos e sociais.

- Libertando o potencial de mudança social através do apoio à divulgação de inovações sociais.

- Abordando os preconceitos das realidades de poder e reforçando a participação democrática a todos os níveis para aumentar a legitimidade das decisões colectivas.

- Promovendo a segurança e a solidariedade globais para fomentar a cooperação mundial em prol do bem-estar planetário e da resolução de conflitos.

- Repensando a nossa relação com os organismos vivos, a fim de respeitar o sistema de interacções complexas e dinâmicas em que vivemos.

O Painel desenvolverá uma inteligência colectiva para partilhar conhecimentos e ajudar os intervenientes a estabelecer ligações e a criar coligações eficazes para a mudança, dando especial atenção ao levantamento das estruturas de poder que estão na base da situação actual e à interdependência sistémica dos desafios, questões, sectores e populações.

No próximo mês de Junho, estará disponível na Internet uma Plataforma Internacional para o Progresso Social, como fonte de informação, para recolher as iniciativas e projectos transformadores em todo o mundo e fornecer um guia para os mais inspiradores (e mais replicáveis). O Painel irá mapear e reunir as forças que estão inerentemente ligadas à agenda do progresso social, incluindo as populações oprimidas e os seus defensores. O ímpeto reunido pelo Painel ajudará a mudar a natureza do debate, capacitará o mais amplo conjunto de partes interessadas e pressionará os governos e as empresas a alinharem melhor os seus objectivos com a agenda do progresso social. As dimensões intergeracionais serão centrais para o nosso trabalho e as gerações mais jovens serão mobilizadas através de redes e dos media sociais.

Contribuir para o Painel Internacional sobre o Progresso Social

Haverá muitas opções e possibilidades para o leitor se juntar ao Painel e contribuir para o seu trabalho: do local ao global, de comunidades internas a redes maiores, da sociedade civil às maiores empresas, de governos municipais a organizações supranacionais, de circuitos educativos aos meios de comunicação social e redes sociais. A tecnologia ajudar-nos-á a traduzir, comunicar, transferir conhecimentos e ligar os agentes de mudança. A diversidade dos contribuidores corresponderá à diversidade dos potenciais utilizadores da base de conhecimentos desenvolvida pelo Painel.

Uma primeira série de fluxos de trabalho iniciada pelo Painel incluirá os tópicos listados abaixo, e o Painel acolhe propostas de contribuições, bem como sugestões de tópicos adicionais:

  • Mapear as interacções sistémicas e as estruturas de poder dos desafios societais
  • Reorganizar o sistema de informação como um bem público na era das redes e media sociais e da inteligência artificial
  • Desenvolver um quadro para um Estado de direito de matriz ecológica
  • Definir desempenhos esperados para os governos e empresas que reflicta o progresso social
  • Promover a solidariedade global como um meio para a cidadania global

Só conseguiremos evitar futuros distópicos se unirmos todos aqueles que, diária e incansavelmente, agem em prol de sociedades melhores, muitas vezes de forma isolada e sem a visibilidade mediática que merecem. Apelamos aqui a uma coligação forte, diversificada, inclusiva, inovadora e global de pessoas dispostas, agora no auge das suas capacidades, a percorrer caminhos sustentáveis e coesos.

A tarefa é enorme e urgente. Esperam-nos enormes oportunidades de mudança positiva que devem ser aproveitadas agora.

Gustavo Cardoso, professor de Ciências da Comunicação do Iscte-IUL e director do MediaLab; Pedro Conceição, director do Gabinete do Relatório para o Desenvolvimento Humano, PNUD; Olivier Bouin, director da Rede Francesa de Institutos de Estudos Avançados (RFIEA); Merike Blofield, professora de Ciência Política na Universidade de Hamburgo; Marc Fleurbaey, investigador do CNRS, professor da Escola de Economia de Paris e ENS-PSL; Ravi Kanbur, professor de Economia, Universidade de Cornell; Takyiwaa Manuh, professora emérita de Antropologia na Universidade do Gana; Elisa Reis, professora de Sociologia e Ciência Política, Universidade Federal Rio de Janeiro; Marie-Laure Salles, professora de Sociologia e directora do Instituto de Pós-Graduação Genebra; Dennis Snower, professor no Institute for New Economic Thinking, Universidade de Oxford; Margo Thomas, fundadora e directora-executiva do Women's Economic Imperative; Ingrid Volkmer, professora da Escola de Cultura e Comunicação, Universidade de Melbourne; Hossain Zillur Rahman, Centro de Investigação sobre Poder e Participação, Bangladesh; Hilary Charlesworth, Tribunal Internacional de Justiça; Youba Sokona, vice-presidente do IPCC; Gabriela Ramos, directora-geral adjunta Ciências Sociais e Humanas UNESCO; Amartya Sen, prémio Nobel de Economia 1998; Muhammad Yunus, prémio Nobel da Paz 2006

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