O futuro da social-democracia

Apesar do forte crescimento do descontentamento num dos extremos, o centro ainda se mantém incólume no nosso espectro político.

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O resultado das últimas eleições legislativas faz com que muitos vertam lágrimas pelo fim da social-democracia, pelo requiem do centro político. A verdade é que, apesar do forte crescimento do descontentamento num dos extremos, o centro ainda se mantém incólume no nosso espectro político.

No fundo, com diferentes tradições e matizes, mais liberais ou mais conservadoras, com mais ou menos Estado social, estamos a falar do amplo campo social-democrata forjado na Europa nos últimos 75 anos. Sim, o comunismo morreu. Sim, o socialismo está à beira do fim, como muitas das grandes narrativas surgidas nos três séculos anteriores. Mas o centro social-democrata e liberal ainda não morreu.

Por isso é um exagero que, muitos daqueles que demonizavam o Chega, agora hipervalorizem o seu resultado eleitoral, a ponto de parecer que este ganhou as eleições. Afinal só teve 18%. E os vencedores são do centro político, a social-democracia moderada e o liberalismo, que continuam com cerca de 70% dos votos expressos pelos eleitores portugueses.

Passamos a viver num sistema pluripartidário perfeito e não numa qualquer anormalidade. E num sistema democrático consolidado não se deve hostilizar ou estigmatizar qualquer partido constitucionalmente legitimado. O Chega tem assim o seu espaço, deve ser respeitado como tal, pois tornou-se um ator relevante no sistema partidário. Mas não mais do que isso. Outra questão pertinente é se no futuro poderemos continuar a ter três partidos que se identificam com do centro político. Veremos.

Sobre a famigerada crise de governabilidade, atentemos nos seguintes aspetos:

  • Primeiro, governar bem não significa estar sempre a legislar no Parlamento. Antes pelo contrário, muitas vezes legisla-se muito, mas governa-se mal.
  • Segundo, a subsistência e o sucesso de um governo minoritário, no nosso sistema constitucional, não depende da aprovação do seu programa em investidura e apenas carece de negociação parlamentar para aprovação do Orçamento de Estado.
  • Terceiro, da não aprovação do Orçamento de Estado não decorre, automaticamente, o pedido de demissão do Governo, nem a existência de um quadro de mau funcionamento das instituições que obrigue o Presidente da República a demiti-lo ou a convocar eleições.
  • Quarto, a governabilidade pode sempre ser assegurada com uma gestão em duodécimos até se obter o consenso possível para uma nova proposta de Orçamento. Aliás, as democracias, hoje, são isso mesmo. Modelos políticos de elevada complexidade que exigem discussão e deliberação permanente, entre pontos de vista diversos e igualmente dignos de ponderação.

Em suma, face aos recentes resultados eleitorais, e apesar do surgimento de uma nova pulsão extremista, continuará a valer a pena defender o futuro da social-democracia e do liberalismo, base do centro político, evitando o “apelo da tribo”, sempre fortemente irresponsável. Mas também é fundamental que esse mesmo centro político não aliene a multidão silenciosa que o apoia, descurando a defesa da liberdade, o Estado de Direito, os direitos sociais de cidadania e uma Europa diversa, mas coesa e solidária.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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