Ninguém deve trabalhar sem receber — excepto se fores estagiário

Todos estamos de acordo que, quando um trabalhador dá produtividade a uma entidade empregadora, deve ser retribuído. Porque não seguimos o mesmo raciocínio nos estágios de curta duração?

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O Decreto-Lei n.º66/2011 estabelece um regime específico que regula os estágios profissionais extracurriculares. Desde logo, estes estágios partem de uma premissa diferente da dos estágios curriculares: estes últimos são celebrados entre uma entidade empregadora, uma instituição de ensino e um aluno, podendo ser úteis para a obtenção de um grau académico, por exemplo. São estágios de curta duração e não implicam um pagamento monetário ao estudante, porque se parte do pressuposto de que há um mútuo ganho: a entidade empregadora recebe um novo recurso humano que lhe pode dar alguma produtividade e, por sua vez, confere ao estudante a aprendizagem necessária ora para obter um grau académico, ora para iniciar a sua experiência no mercado de trabalho.

O dito decreto-lei trata uma situação diferente: regula um estágio que não tem como intermediário uma instituição de ensino, e que é feito directamente entre o trabalhador estagiário e uma entidade empregadora.

No âmbito da Agenda do Trabalho Digno, foram introduzidas modificações no diploma, desde logo no que respeita ao valor do subsídio mensal devido ao estagiário. Com as alterações previstas, passou a determinar-se que, durante o curso do período de estágio, a entidade empregadora terá de pagar ao estagiário um subsídio mensal de estágio, cujo montante não pode ser inferior ao previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 275.º do Código do Trabalho. Ora, esta alínea estipula que o praticante, aprendiz, estagiário ou formando em situação de formação certificada tem direito à retribuição mínima mensal garantida com uma redução de 20%.

Mas desengane-se quem acha que neste Portugal das maravilhas dos direitos do trabalhador tudo ficou resolvido. O DL 66/2011 tem, na verdade, uma brecha de fuga para os empregadores. Permite, no seu artigo 5.º, os chamados “estágios de muita curta duração”, com um período de duração não superior a três meses e que, mediante justificação para o curto período, não implicam retribuição ao trabalhador.

Três meses de trabalho são 12 semanas de produtividade. Três meses de trabalho são 480 horas de produtividade.

No decorrer desses três meses, o estagiário estará, por lei, sujeito às mesmas condições do que qualquer outro trabalhador da empresa no que toca ao período normal de trabalho, descanso diário e semanal, feriados, segurança e saúde no trabalho — menos no que diz respeito à retribuição.

Celebrar um contrato de estágio permite às empresas atrair e encontrar jovens talentos, que poderão mais tarde integrar a equipa de forma permanente. É-lhes dada maior reputação por apostarem na formação. Há uma redução clara do volume de trabalho dos seus trabalhadores contratados em consequência da produtividade oferecida pelo estagiário.

A não remuneração neste estágio apenas seria justificada pelo curto período de permanência do jovem e pelo não retorno de produtividade — mas é de conhecimento geral que isso não é a realidade portuguesa. A actividade de uma empresa não deve depender do trabalho dos estagiários, claro, e é aqui que muitas falham. Em regra, os estagiários deveriam assumir apenas tarefas ligeiras de forma a aliviar a carga de trabalho dos seus colaboradores, especialmente em alturas de mais trabalho. Mas, pelo contrário, os estagiários produzem e conferem valor à entidade empregadora.

As empresas refugiam-se nesta brecha legislativa para renovarem estágios de muita curta duração e fugirem a uma lei que pretendia (na sua teoria) colmatar as deficiências e os desequilíbrios laborais dos jovens licenciados em Portugal. Enquanto não se valorizarem os jovens, não se valoriza Portugal.

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