50 anos de democracia

“Only a crisis - actual or perceived - produces real change. When that crisis occurs, the actions that are taken depend on the ideas that are lying around” Milton Friedman

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A Terceira República em que fomos a votos há poucos dias faz 50 anos. Cinco décadas correspondem a um marco temporal que associamos a maturidade. Não é esse ainda o caso da democracia portuguesa. Em termos de qualidade do regime democrático o Índice de Democracia de 2023 do Economist coloca Portugal fora do pelotão das 24 “democracias plenas”, onde Espanha ocupa o último posto e a Grécia o quinto posto a contar do final. Integra-nos, em contrapartida, no extensíssimo pelotão das “democracias com falhas” (“flawed democracies”).

Descontando aqui alguns enviesamentos que estes índices sempre comportam, a verdade é que desde o (i) sistema de justiça, na origem da interrupção do último ciclo político, até à (ii) transparência e à (iii) eficácia da nossa governance e políticas públicas, estamos ainda longe de uma democracia madura ou mais completa. Em termos de governance económica e correspondente coesão do tecido económico e social, os últimos 50 anos foram marcados por três situações de pré-bancarrota e intervenções económicas externas (1978, 1983 e 2011). E, claramente, o primeiro ímpeto de desenvolvimento resultante da integração europeia desde 1986 dilui-se. Desde a segunda etapa dessa integração, com a adesão ao euro, Portugal não mais encontrou um percurso sustentado de crescimento económico.

A economia portuguesa caiu em duas grandes armadilhas, embora muito distintas. A primeira, e mais grave, a armadilha do endividamento que condiciona tudo o resto e deixa o país refém de turbulências dos mercados internacionais de dívida pública; a segunda, a armadilha de um modelo distorcido de utilização de financiamentos europeus (que importaria ainda conseguir corrigir em parte nas últimas etapas de execução do chamado PRR).

Para sair deste ciclo perverso, ultrapassando mais um período de estridência eleitoral, o passo decisivo é, desde logo, consolidar a descida do peso da dívida pública em termos de PIB nacional. E importará também que essa nova etapa de redução estrutural da dívida pública, que será mais difícil de consolidar, se faça por processos económicos mais virtuosos. Em termos de governance económica, a estrutura e a qualidade da despesa pública têm de ser alteradas. Leva tempo, mas é necessário iniciar esse caminho. E esse processo deve ser combinado com iniciativas públicas seletivas tendentes a uma “nova política industrial”. Esta tem exemplos recentes na UE, onde se admite um retorno a uma política industrial reinventada, em novos equilíbrios com a política de concorrência, para promover as necessárias transições verde e digital. Tais novas abordagens devem ser combinadas com uma fiscalidade menos adversa ao tecido empresarial e à poupança.

Num plano socio-económico mais amplo, impõe-se uma nova política de habitação orientada por desígnios de expansão da oferta e regulação do mercado, mas assente em parcerias com a iniciativa privada. E há formas criativas e inovadoras para o fazer, sempre garantindo o interesse público

Como referia Milton Friedman, importa que existam ideias reformistas disponíveis e amadurecidas para as aplicar quando a próxima crise as tornar possíveis. A grande questão, ao comemorarmos os 50 anos do 25 de Abril, e após uma nova interrupção do ciclo eleitoral normal, é saber se Portugal conseguirá pôr em prática algumas boas ideias – transformadoras sem uma nova crise, como as três crises existenciais que a nossa democracia conheceu. Usando, com a devida vénia, o título de um filme de António Pedro Vasconcelos, infelizmente desaparecido há poucos dias – ‘Oxalá’!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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