Em Gaza como em Odessa n’O Couraçado de Potemkin

As emoções não estão viradas para os palestinianos que já “aceitamos” não serem exatamente iguais a outros seres humanos com o estatuto e a estirpe de ocidentais.

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A Humanidade parece caminhar para um mundo ilógico e afastar-se de uma das características mais nobres dos seres humanos – os sentimentos que a fazem aproximar-se dos outros e estender mão para ajudar.

Ao ver as imagens das forças israelitas a metralhar populares esfomeados junto dos camiões com ajuda humanitária, na passada quinta-feira, há naquela metralha a perceção de que quem dispara perdeu a essência que o faz distinguir de todos os outros animais.

Quem assim atira à queima-roupa contra gente maltrapilha nunca mais vai ser quem era por ter ultrapassado os limites do que a alma humana é capaz de suportar.

Eram esfomeados, perseguidos como presas de caça, corridos de todos os lugares de Gaza, sob a mais avançada tecnologia militar de matar, que o único mal que fizeram foi nascerem na Palestina e serem palestinianos.

Outrora, os nazis davam ordens para matar judeus, por serem judeus, ao preço mais barato.

Agora são os dirigentes de Israel que dão ordens às suas Forças Armadas para expulsar, como animais bravios, os famintos e doentes palestinianos de Gaza, há cinco meses escorraçados do Norte para o Sul, do Sul para o Norte, de um canto para o outro apenas por serem palestinianos.

Não há espaço dentro do coração de cada ser humano para aguentar a suprema malvadez de disparar friamente sobre crianças, mulheres, idosos que para aliviar a fome, por já não terem ervas, raízes, rações de animais e procuravam comida junto dos camiões com ajuda.

Metralhar à queima-roupa gente indefesa só em cinema, como n'O Couraçado de Potemkin, de Serguei Eisenstein, quando os carrascos do czar dispararam sobre a população em fuga, em Odessa, dirigindo-se para uma escadaria monumental em que se estremece com a violência e se vê carros de bebés desgovernados serem projetados numa impiedade sem limites.

Em Gaza, mais de um século depois, um dos bastiões do Ocidente com regras, como alegam constantemente, assistiu-se a um episódio de igual ressonância. Palestinianos baleados como presas, tal como nos comedouros de caça, pela tropa do novo Macbeth do Médio Oriente.

E, no entanto, as emoções não estão viradas para os palestinianos que já “aceitamos” não serem exatamente iguais a outros seres humanos com o estatuto e a estirpe de ocidentais.

Eles estão do outro lado por não aceitarem que a sua terra não é deles. No caso, queriam comida que os dirigentes israelitas negam, como na Idade Média, para impor a rendição.

Para o Ocidente, Israel tem o direito a defender-se e os palestinianos a morrer de fome ou baleados pelo grande aliado.

Esta Europa supercivilizada, em que só é permitido matar três perdizes e vinte tordos por caçada, convive com a brutalidade dos carniceiros que ordenaram a matança de mais de cem palestinianos famintos, num total de mais de trinta mil, um terço crianças, nestes cinco meses.

Talvez se perceba - se comerem não morrem, é preciso que morram, segundos os cálculos do primeiro-ministro israelita. Nesta banda, a nossa consciência enferrujada olha para o lado. Quantos mais palestinianos é preciso Israel matar? Querem inquéritos, dizem Biden, Macron, Scholtz e companhia, levados a cabo pelos autores de tão horrendos crimes.

Ninguém se lembra de sanções, nem da entrega de armas aos que foram invadidos e ocupados. Que mundo!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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