Somos um país de velhos? Como encarar o futuro?

Envelhecer não pode ser impeditivo de continuarmos a viver nas nossas casas, mantermos a nossa identidade e participarmos na vida da comunidade.

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Portugal é o segundo país mais envelhecido da União Europeia, apenas ultrapassado pela Itália. Quase um quarto da população portuguesa tem 65 ou mais anos. Por um lado, este é o resultado de uma enorme conquista civilizacional: vivemos mais tempo porque temos melhores condições de vida em geral. Mas, relativamente ao total da nossa população, os mais velhos são relativamente mais, porque temos menos jovens.

As crianças nascidas em 1960 esperavam viver 64 anos, nas condições de vida então existentes. Já os bebés nascidos em 2022 podem contar viver 82 anos. Mas esta vantagem na duração do tempo da vida, de aproximadamente 18 anos, ocorre na fase final do ciclo de vida. O que representa isto nas nossas vidas?

Se observarmos o número de anos que um homem e uma mulher esperam viver com saúde (59,3 anos e 57,4 anos, respetivamente, em 2022), concluímos que os anos a mais vividos são muitas vezes marcados por adversidades materiais ou de saúde, incapacidades e dependência. Os problemas de saúde têm início bem antes da idade da reforma e vão-se agravando à medida que a idade avança.

As estatísticas revelam que os portugueses reportam piores condições de saúde que a média dos países da União Europeia e, embora as mulheres vivam mais tempo do que os homens, elas avaliam a sua saúde de forma mais negativa. As desvantagens femininas dizem-nos que as mulheres apresentam mais doenças crónicas/problemas psicológicos e frequentam mais as consultas médicas. Por seu lado, os homens têm mais comportamentos de risco (tabaco e bebidas alcoólicas), mas declaram melhor estado de saúde. A literatura revelava, assim, uma situação paradoxal: as mulheres vivem mais tempo, mas em piores condições de saúde. Mas, a verdade é que, quando realizam exames físicos e análise clínicas, os homens apresentam uma maior prevalência de certas doenças (diabetes, hipertensão arterial e obesidade abdominal). Só não têm consciência delas!

O avançar da idade leva, portanto, a uma redução das funções do organismo, tornando os homens e as mulheres suscetíveis a doenças crónicas. Quer isto dizer que precisam de cuidados de longa duração para gerirem as doenças à medida que envelhecem. A ausência de serviços eficazes leva a que muitas pessoas mais velhas recorram ao hospital e nele permaneçam por não reunirem condições para receberem cuidados em casa. Ainda que transitem para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, também poderão ficar retidas nestas unidades, ou ser institucionalizadas em lares de idosos. É do regresso a casa que precisamos de falar! A maioria das pessoas mais velhas deseja envelhecer em casa e na comunidade. Envelhecer não pode ser impeditivo de continuarmos a viver nas nossas casas, mantermos a nossa identidade e participarmos na vida da comunidade.

Com a sobrevida das mulheres ergue-se um problema de proteção social. As mulheres portuguesas sacrificam mais a sua carreira profissional, como em situações de maternidade ou prestação de cuidados a familiares. A opção por ser a mulher (e não o homem) a interromper ou a reduzir a atividade está relacionada com uma carreira menos específica e focada, provocando um prejuízo menor no orçamento familiar. Estes percursos mais precários refletem-se num grande número de mulheres com baixas pensões de reforma e em risco de pobreza. Isto acontece também devido ao desconhecimento do sistema de pensões.

A reflexão sobre a sociedade envelhecida leva-nos ainda ao abandono da designação “idoso”. Esta categoria surgiu numa altura em que o ciclo de vida era tripartido: um período de educação, um longo período de trabalho e um curtíssimo período de reforma. Hoje, com vidas mais longas e diversificadas, já não há “idosos”. As pessoas têm percursos flexíveis, intercalando e conjugando diferentes papéis. Se fizermos o exercício de pensar no que é um “idoso”, veremos que não cabem nesse perfil todas as pessoas que conhecemos com 65 ou mais anos (ou mesmo 80+). As pessoas chegam a determinada idade com diferentes condições de saúde, diferentes recursos financeiros, diferentes exigências, aspirações, ocupações e projetos de vida.

Em Portugal, temos assistimos a políticas pouco inovadoras, dirigidas aos mais velhos como se fossem um grupo homogéneo. As promessas políticas continuam a apostar em instituições para idosos, tal como se criaram há décadas atrás. Estas instituições já não respondem às necessidades e preferências das pessoas que envelhecem. Servem sobretudo para acolher pessoas de idade muito avançada, dependentes e sem suporte social. Não podemos assumi-las como principal política para a longevidade. No entanto, são muito procuradas, por vários motivos: sem serviços eficazes, a família é incapaz de cuidar dos elementos mais velhos; as habitações das pessoas mais velhas não reúnem condições adequadas; os serviços de apoio domiciliário são incipientes e os preços das opções privadas são incomportáveis face aos rendimentos das famílias.

Vejamos, agora, porque temos menos jovens. Um dos indicadores responsáveis pela redução da natalidade é o número de filhos por mulher. Contudo, em Portugal, há muitas décadas que se verifica uma redução deste número, passando de 3,16 em 1960 para 1,35 em 2021. É uma tendência em todo o mundo e deverá manter-se nas gerações futuras. As mulheres portuguesas fazem um grande esforço para terem filhos e não irão reagir a incentivos à natalidade. O aumento do número de crianças e jovens poderá passar por medidas inteligentes de imigração de famílias e mulheres em idade fértil, ainda que dificilmente algum nível de imigração seja suficiente para alterar envelhecimento da população a longo prazo.

Então, como deveremos encarar o futuro? Não podemos ignorar as implicações que o menor número de jovens poderá ter no desenvolvimento económico do país e na sustentabilidade da segurança social. Porém, as políticas pró-natalistas estão condenadas ao fracasso e precisamos focar-nos nas alternativas e oportunidades de uma sociedade madura. A nossa sociedade deverá adaptar-se a uma população com menos crianças, mas que sabe valorizar e otimizar o potencial das pessoas mais velhas com excelentes funções cognitivas, elevada escolaridade, boas condições de saúde e autonomia. Esta adaptação é possível através de abordagens de “envelhecimento ativo”, que permitem manter a funcionalidade, através de serviços sociais e de saúde, habitações e lugares favoráveis, mas também oportunidades de participação na comunidade.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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